SPD dividido decide hoje se avança para grande coligação
"O SPD vai continuar a luta pela democracia, tolerância e respeito, mas a partir da oposição." A certeza foi deixada no final de setembro pelo líder dos sociais-democratas, empurrado por um número que não deixava dúvidas. Martin Schulz ditava o futuro do partido no discurso de derrota nas eleições legislativas do dia 24 desse mês, depois do pior resultado no pós-guerra. Thomas Oppermann, o líder parlamentar do SPD, sublinhou na televisão pública alemã que os 20,5% de votos conseguidos (menos 5,2% do que nas eleições anteriores) mostravam uma rejeição à grande coligação por parte do eleitorado. Angela Merkel devia preparar-se para desenhar o futuro do país com outras cores, as únicas possíveis para conseguir governar com maioria: preto, amarelo e verde. Mas a coligação Jamaica estava longe de ser um paraíso para a chanceler alemã. Com os liberais do FDP a desistirem das negociações o futuro da Alemanha passou a ser uma incógnita.
Começou assim a história de um recuo que está a dividir o SPD. Depois da intervenção do presidente Frank-Walter Steinmeier, que apelou à disponibilidade de todos os partidos para governar, os dados voltaram a baralhar-se. Uma semana intensa de reuniões entre a CDU, a CSU e o SPD terminou num acordo de princípio que pode bem ser a base para uma nova grande coligação. Agora cabe aos 600 delegados, reunidos em congresso extraordinário hoje em Bona, na Renânia do Norte-Vestfália, decidir se as conversações finais para a formação da GroKo podem ou não avançar.
Para Martin Kessler, editor de política nacional do jornal alemão Rheinische Post, "o resultado vai ser renhido já que o partido está dividido entre apoiantes e críticos". O jornalista pensa que vai ser decisiva "a forma como Schulz vai defender o resultado das conversações", sublinhando que "a oposição à grande coligação é enorme". Convencer "não vai ser tarefa fácil", diz o professor Oscar Gabriel, da Universidade de Estugarda, "mesmo que o resultado das negociações possa parecer satisfatório para alguns sociais-democratas, está longe de ser o ideal para o partido". O docente de sistemas políticos e sociologia política lembra que há dois pontos essenciais para o SPD que ficaram de fora das 28 páginas do acordo preliminar: "O aumento de impostos para quem recebe salários elevados e um sistema universal de seguro de saúde."
Dos 45 membros que integram os órgãos do partido, 32 já votaram a favor e seis contra. Os Jusos (a Juventude social-democrata) e o seu líder, Kevin Kühnert, são a cara mais visível da oposição. Eles representam entre 80 e 90 delegados e o não no voto é praticamente certo. De um lado e do outro, foi feita, durante a última semana, uma campanha intensa por toda a Alemanha para tentar convencer quem pesa nesta decisão. Os alemães parecem assistir com desconfiança a estes movimentos. De acordo com uma sondagem publicada pelo jornal Bild, na segunda-feira, o SPD caiu nas intenções de voto para 18,5%. Oscar Gabriel refere que "independentemente do resultado desta votação o partido já está mais frágil". Lembra que o SPD está dividido praticamente desde 1970 "e o fracasso dos chanceleres Helmut Schmidt e Gerhard Schroeder resulta disso". O professor da Universidade de Estugarda sublinha que "mesmo esses líderes fortes não foram capazes de lidar bem com as divisões internas, muito menos superá-las".
No entender do académico, "Schulz não é aceite pelo partido como um líder forte e convincente, como alguém que pode mudar o futuro e mobilizar o apoio dos eleitores, militantes e ativistas". Já Martin Kessler acredita que o líder do SPD "é um homem corajoso, mas um líder fraco" e isso só vai acentuar a "fragilidade desta força política, que pode até estar em causa". O editor de política nacional do Rheinische Post dá os exemplos de França, Holanda ou Finlândia, onde os sociais-democratas "praticamente desapareceram". Para Gero Neugebauer, que leciona na Universidade Livre de Berlim, o voto de hoje "não enfraquece o SPD, já que esta não é uma discussão entre a esquerda e a direita". Para o politólogo "todos acabam por ganhar com esta votação porque ela mostra que há uma diferença importante entre os sociais-democratas e os conservadores".
No voto de hoje o estado da Renânia do Norte-Vestfália é o que tem o maior peso, com 144 dos 600 delegados ao congresso. Segue-se a Baixa Saxónia com 81. O resultado vai ser conhecido logo depois de terminado o escrutínio. Kessler assume que, nesta altura, a única saída coerente é a reedição da GroKo mas com um horizonte mais curto. Assume que, a longo prazo, é necessária "uma mudança no poder" para que a extrema-direita não continue a ganhar terreno, por isso defende "novas eleições daqui a dois anos". Visão diferente tem Neugebauer, que acredita que "um governo minoritário poderia provar a capacidade do sistema político de inovar" e novas eleições "só trariam novas conversações e mais impasse". Um governo minoritário formado pela CDU, CSU e os Verdes é a solução apontada por Gabriel, duvidando "do grau de estabilidade que uma grande coligação pode efetivamente assegurar". Mas Merkel já pôs de parte a possibilidade de governar em minoria. Caso não haja luz verde neste congresso extraordinário a alternativa parece ter de passar mesmo por uma nova ida às urnas.
Em Berlim