Sonhou ser futebolista. Agora quer ficar no poder até 2023
Aos 61 anos, Recep Tayyip Erdogan nega querer impor valores islâmicos na Turquia. Críticos acusam-no de silenciar os opositores
Em jovem, Recep Tayyip Erdogan jogava futebol num clube de bairro. Mas quando o Fenerbahçe o tentou contratar, o pai terá dito não. Perdeu-se um futebolista, ganhou-se um político. Foi pois na universidade Marmara de Istambul, onde estudava Gestão, que conheceu Necmettin Erbakan, aquele que se viria a tornar no primeiro (e efémero) chefe de governo islamita da Turquia. Foi o ponto de viragem para Erdogan. Educado numa família religiosa, filho de um guarda costeiro que em adolescente vendia limonada e sementes de sésamo pelas ruas de Istambul para ganhar uns trocos, aderia ao movimento islamita.
A ascensão do filho de um guarda costeiro foi fulgurante. Em 1994, com apenas 40 anos, foi eleito presidente da Câmara de Istambul. E até os seus maiores críticos admitem que fez um excelente trabalho à frente da maior cidade do país, tornando-a mais limpa e mais verde. Mas cinco anos depois, acabava destituído e obrigado a cumprir quatro meses de prisão por incitamento ao ódio religioso, depois de ter lido um poema nacionalista em público que dizia: "As mesquitas são os nossos quartéis, as cúpulas os nossos capacetes, os minaretes as nossas baionetas e os fiéis os nossos soldados".
Foi então que decidiu criar o Partido da Justiça e do Desenvolvimento, o AKP, com o seu aliado Abdullah Gül, que acabaria mais tarde por assumir a presidência. Mas quando o AKP vence as eleições de 2002 de forma esmagadora, não pode ser Erdogan o primeiro-ministro por ainda estar banido da política. Teria de esperar pelo ano seguinte para assumir a chefia do governo. Repetiria a vitória nas eleições de 2007 e 2011, antes de deixar a liderança do partido, apenas para se tornar no primeiro presidente diretamente eleito da História da Turquia em 2014.
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O sucesso do "sultão"
Apoiado pelos setores muçulmanos mais conservadores, muito popular nalgumas regiões da Anatólia, onde o seu carisma e caráter irascível, bem como a sua defesa de que se quem o quiser fazer deve poder expressar as suas convicções religiosas de forma mais aberta são aplaudidos. Mas se o presidente nega querer impor os valores islâmicos e estar empenhados no laicismo herdado de Ataturk, o fundador da Turquia moderna, não convence os críticos que o apelidam de "sultão".
Casado com Emine, a primeira dama que aparece sempre de lenço a cobrir-lhe os cabelos nas cerimónias oficiais, Erdogan tentou criminalizar o adultério e impor zonas livres de álcool. Grande parte da sua popularidade está associada ao sucesso económico da Turquia nos anos que passou no poder, com taxas de crescimento que rondaram a média de 4,5% na última década.
Apesar das sucessivas vitórias nas eleições - em 2015 o AKP já sem Erdogan à frente perdeu a maioria absoluta, para a recuperar pouco depois num segundo escrutínio - não falta quem veja em Erdogan tendências autoritárias senão mesmo ditatoriais. Um sonho de grandeza que se materializou no palácio gigante que mandou construir em Ancara e que com as suas mil salas custou bem mais do que os 600 milhões de euros previstos. E até achou que a Primavera Árabe seria a sua grande oportunidade de surgir como inspirador numa nova esfera de influência otomana.
Confrontado com ataques tanto dos curdos do PKK como do Estado Islâmico, instalado na vizinha Síria e responsável pela fuga dos mais de 2,5 milhões de refugiados que hoje vivem na Turquia, Erdogan tem sido acusado de perseguir e silenciar os opositores, sejam eles políticos, jornalistas ou apoiantes de Fettulah Gülen, o clérigo islâmico que vive no exílio nos EUA e chegou a ser seu aliado no passado. Ontem Gülen foi o primeiro que Erdogan acusou de estar por detrás da tentativa de golpe militar contra ele. Ora o exército, visto como guardião da laicidade e responsável por pelo vários golpes nos anos que antecederam a chegada de Erdogan ao poder, era outro sector que se julgava estar controlado pelo presidente.
O homem que nos últimos meses afastou primeiro Gül e depois o primeiro-ministro Ahmet Davutoglu - cujo protagonismo, sobretudo depois de negociar o acordo com a União Europeia sobre o refugiados deve ter desagradado ao presidente - , fez ainda as pazes com a Rússia e Israel. Aproveitando que Bruxelas precisa desesperadamente da Turquia para travar a crise migratória, Erdogan procurou também acelerar o processo de adesão turco à UE, que se arrasta há décadas.
Aos 61 anos, Erdogan não esconde a ambição de ficar no poder até 2023 - ano do centenário da criação da Turquia moderna por Ataturk. Pelo sim pelo não, diz-se que anda a preparar o genro para lhe suceder. Casado com a filha mais velha do presidente (que tem mais uma filha e dois filhos), Berat Aalbayrak é ministro da Energia desde 2015.