Seis mil moçambicanos fugiram para o Malaui devido a alegados abusos do exército
"O Governo de Moçambique deve investigar com urgência as alegações de execuções sumárias, abusos sexuais e maus-tratos por parte das suas forças armadas na província de Tete", indica um comunicado da organização de defesa dos direitos humanos.
Desde outubro último, pouco depois de terem começado as operações do exército para desarmar milícias ligadas ao principal partido da oposição de Moçambique -- a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana) --, pelo menos seis mil pessoas trocaram Moçambique "por condições precárias no Malaui".
"O exército de Moçambique não pode usar a desculpa de desarmar as milícias da Renamo para cometer abusos contra as mesmas ou contra os residentes locais", afirmou Zenaida Machado, pesquisadora da HRW para Moçambique, exortando o Governo a iniciar, "com urgência, uma investigação às alegações de abusos e garantir que as operações de desarmamento são conduzidas de acordo com a lei".
A HRW indica que, em meados do corrente mês, várias dezenas de requerentes de asilo no campo improvisado de Kapise, no Malaui, contaram à organização "ter fugido dos abusos do exército e que, por isso, têm medo de voltar para casa".
"Mulheres descreveram como os seus maridos foram sumariamente executados ou amarrados e levados para paradeiro desconhecido por soldados de uniforme, alguns deles transportados por veículos do exército. Em vários casos, os soldados incendiaram casas, celeiros e campos de cultivo, acusando os residentes locais de alimentar e apoiar as milícias", lê-se no comunicado.
A organização expõe casos concretos, incluindo de testemunhas e outros contados na primeira pessoa, como o de uma jovem de 20 anos, da aldeia de Ndande, que atravessou com os filhos a fronteira para o Malaui e contou como o marido foi preso, agredido e depois alvejado à queima-roupa por cinco soldados do Governo depois de a sua família ter sido acusada, no início do mês, de alimentar a milícia da Renamo.
"A Human Rights Watch também ouviu relatos credíveis de violência e abusos sexuais, embora as mulheres e raparigas tivessem demonstrado relutância em falar sobre o que lhes aconteceu com medo do estigma", refere o mesmo comunicado.
Como recorda a HRW, na quinta-feira passada, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) declarou que mais de seis mil requerentes de asilo, na sua maioria mulheres e crianças, foram registados no Malaui desde meados de dezembro.
Com efeito, adverte a organização, "o Governo do Malaui não está a registar os recém-chegados como requerentes de asilo, nem tem envidado quaisquer esforços para melhorar as condições do campo", que se encontra "sobrelotado", é de "difícil acesso" e dispunha, aquando de uma visita da HRW, de fracas condições para atender às necessidades do número crescente de residentes e também não tinha quaisquer instalações escolares.
"O Governo do Malaui deve permitir de imediato que os requerentes de asilo apresentem pedidos de proteção e facilitar ajuda de emergência num campo de refugiados funcional e seguro", afirmou Dewa Mavhinga, investigador sénior da HRW para o sul de África.
"Os governos de Moçambique e do Malaui não devem tentar enviar as pessoas para casa sem primeiro garantir que é seguro fazê-lo", concluiu.
Moçambique vive uma crise política desde as eleições gerais de outubro de 2014, cujos resultados não são reconhecidos pela Renamo, que ameaça governar pela força nas seis províncias onde reclama vitória eleitoral.
As últimas semanas têm sido marcadas por acusações mútuas de ataques armados, raptos e assassínios por razões políticas.