"Seguimos as ordens do presidente". Embaixador arrasa Trump no inquérito de destituição
Gordon Sondland, embaixador dos EUA na União Europeia, declarou por escrito ao inquérito que está a decorrer na Câmara dos Representantes, que trabalhou em conjunto com o advogado pessoal de Donald Trump, Rudolph Giuliani, para tentar pressionar o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky investigar os rivais políticos do presidente dos Estados Unidos. "Foi um quid pro quo para organizar uma visita à Casa Branca", isto é, um favor em troca de outro.
"O secretário [da Energia Rick] Perry, o embaixador Volker e eu trabalhámos com Rudy Giuliani em temas da Ucrânia sob ordens expressas do presidente dos EUA. Não queríamos trabalhar com Giuliani. Percebemos que se não trabalhássemos com ele perdíamos uma oportunidade de cimentar as relações com a Ucrânia. Portanto seguimos as ordens do presidente."
Questionado se a "única conclusão lógica" era que a ajuda militar fazia parte do quid pro quo, Sondland limitou-se a confirmá-lo: "Yup". No entanto, disse que nunca ouviu diretamente do presidente o pedido. Foi através de Rudy Giuliani que o diplomata recebeu instruções.
Sondland, um empresário hoteleiro que apoiou a candidatura de Trump, disse também que secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, estava ciente e "apoiava plenamente" os seus esforços na Ucrânia. "Mantivemos a liderança do Departamento de Estado e outras pessoas informadas sobre o que estávamos a fazer. O Departamento de Estado apoiava totalmente o nosso envolvimento nos assuntos da Ucrânia e sabia que um compromisso com as investigações estava entre os temas que queríamos", disse.
Também o vice-presidente Mike Pence está ligado ao caso. No dia 1 de setembro reuniu-se em Varsóvia com o novo presidente ucraniano. "Antes do encontro com os ucranianos disse a Pence que tinha "preocupações" de que o atraso na ajuda ficasse ligado à questão de investigações. "Lembro-me de ter mencionado isso antes da reunião de Zelensky", disse Sondland.
A sua declaração foi tornada pública no início do seu testemunho perante a Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes, que assumiu a liderança no inquérito de impeachment a Donald Trump.
O inquérito da Comissão concentra-se no telefonema de 25 de julho no qual Trump pediu a Zelensky para realizar duas investigações para ser beneficiado politicamente, incluindo uma que tem como alvo o rival político democrata Joe Biden, sobre o filho Hunter Biden. A outro era sobre uma teoria de conspiração já por demais desmentida, de que foi a Ucrânia e não a Rússia, o país que interferiu nas eleições norte-americanas de 2016.
Antes do seu pedido para que Zelensky realizasse as investigações, Trump tinha congelado 390 milhões de dólares em ajuda de segurança aprovada pelo Congresso para ajudar a Ucrânia a combater os separatistas pró-russos.
Questionado pelo presidente da Comissão, Adam Schiff, se as duas investigações teriam de se realizar, Sondland foi mais específico. "Ele [Zelensky] tinha de anunciar as investigações. Pelo que compreendi, na realidade não tinha de fazê-las." Ou seja, o objetivo era criar factos para atingir Joe Biden e os democratas.
Na sua declaração inicial, Sondland lamentou que o Departamento de Estado e a Casa Branca não tenham cooperado ao dar acesso a materiais como as gravações dos telefonemas. "A minha memória não tem sido perfeita. E não tenho dúvida de que um processo mais justo, aberto e ordenado de me permitir ler os arquivos do Departamento de Estado teria tornado este processo mais transparente."
Após o seu primeiro testemunho de dez horas, à porta fechada, Sondland lembrou-se de rever as declarações dias depois, ao adicionar a informação de que manteve uma conversa com um assessor do presidente ucraniano, Andriy Yermak. "Recordo-me agora de ter falado a sós com Yermak, na qual eu disse que o reatamento da ajuda dos EUA provavelmente não ocorreria até que a Ucrânia fornecesse uma declaração pública anticorrupção que estávamos a discutir há muitas semanas", escreveu numa adenda. Até então Sondland tinha rejeitado qualquer ligação entre a suspensão da ajuda militar e as investigações a pedido da Casa Branca.
O embaixador confirmou a existência da chamada que o embaixador na Ucrânia William Taylor revelou durante o seu testemunho, há uma semana. Durante um almoço em Kiev, no dia seguinte à chamada de Trump com Zelensky, Sondland ligou ao presidente e falaram sobre o tema. "No final do telefonema, o funcionário da minha equipa perguntou ao embaixador Sondland o que o presidente Trump pensava sobre a Ucrânia, ao que este respondeu que o presidente estava mais interessado nas investigações a Biden", contou Taylor, diplomata de carreira.
Hoje, Sondland disse que não se recorda dos pormenores do telefonema, mas confirmou a sua existência e disse que "ficaria surpreso se o presidente Trump não tivesse mencionado as investigações especialmente porque sabíamos das suas preocupações através de Giuliani".
Questionado pelo democrata Daniel Goldman sobre o telefonema, Sondland confirmou também que fez a ligação telefónica através de uma linha não segura, e que cabe ao presidente decidir sobre o que quer falar em ligações desse género. "O presidente Zelensky adora o seu rabo. Lembra-se de dizer isto?", perguntou Goldman, ao que respondeu: "Parece algo que eu diria", e riu-se, antes de divulgar que as conversas com Trump incluem regularmente palavrões.
Os republicanos tentaram desvalorizar o testemunho de Sondland porque as instruções vieram do advogado de Trump e não do próprio. "Não vou caracterizar o presidente, fiz apenas o que achei que devia fazer", disse Sondland, à pergunta do republicano Steve Castor "Acredita no presidente?"
Castor disse depois que a conclusão de Sondland de que assistência militar estava condicionada ao anúncio de Zelensky das investigações era "especulação", ao que o empresário respondeu, "uma pressuposição" e Castor retrucou "uma suposição". A troca de palavras terminou com Sondland a dizer "dois mais dois são quatro".
E deu como exemplo o facto de Mike Pompeo ter dado "luz verde" ao pedido do anúncio das investigações pelo chefe de Estado ucraniano para acabar com o impasse da ajuda militar.
Sondland, embaixador na União Europeia e não na Ucrânia, negou ser um "canal irregular". "Não sei como pode chamar de canal irregular quando se está a falar do presidente, do secretário de Estado, do conselheiro de segurança nacional, do secretário da Energia..."
A caminho do helicóptero, no relvado da Casa Branca, Trump parou junto dos jornalistas e leu a parte do testemunho de Sondland em que este cita a conversa que teve com Trump. "Eu não quero nada da Ucrânia, não quero quid pro quo. Diga ao Zelensky para fazer o correto." Trump não respondeu a qualquer pergunta, mas pelo meio disse não conhecer muito bem o embaixador. "Não falei muito com ele. Não é um homem que conheça bem. No entanto parece um tipo simpático", afirmou.
No dia 8 de outubro, antes de se saber que Sondland iria testemunhar, Donald Trump classificou o empresário de Seattle como "um homem realmente bom e um grande americano" no Twitter.
Kenneth Starr, o antigo procurador que liderou o processo de destituição contra Bill Clinton, não teve palavras de ânimo para com o presidente. Comentador na Fox News, Starr disse que foi "um dia de bombas" e que artigos de destituição "estão a ser elaborados se ainda não o foram" a partir do testemunho de Sondland. Para o magistrado há matéria para obstrução e desrespeito pelo Congresso, pelo facto de a Casa Branca não ter dado acesso a documentos.
"A questão é que os senadores estão a ver. Irão agora dizer 'Precisamos de fazer uma viagem até à Casa Branca?' Esse exemplo histórico ocorrido durante a presidência de Nixon. Pelo que perceber não creio que isso vá acontecer. Mas o que aconteceu hoje obviamente tem o potencial de virar o jogo", disse Starr.