"Saúdo os sinais positivos dados por Putin e Trump"
Presidente sérvio, Tomislav Nikolic, realiza hoje e amanhã uma visita de Estado a Portugal, estando previstos, entre outros, encontros oficiais com o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa e o primeiro-ministro António Costa.
A visita acontece numa altura em que a tensão entre a Sérvia e o Kosovo se agravou, nomeadamente depois de no dia 14 um comboio a dizer "Kosovo é Sérvia" em 21 línguas ter sido travado na fronteira. Ao DN, numa entrevista por escrito, Tomislav Nikolic elogia Vladmiri Putin e Donald Trump e deixa algumas críticas à UE.
Encontra-se de visita a Portugal. A Sérvia chegou a processar Portugal por causa dos bombardeamentos da NATO em 1999. E Portugal reconheceu o Kosovo como um Estado independente em 2008. Como descreve hoje as relações entre os dois países?
Desde que ganhei as eleições presidenciais em 2012, esforcei-me para promover uma política de revitalização e reforço das antigas amizades que a ex-Jugoslávia - atualmente a Sérvia - tinha no mundo inteiro. Com toda a certeza que na história das nossas relações bilaterais houve pontos altos e baixos. Mesmo assim, a Sérvia compreende que cada país conduz a política que acha melhor para os seus cidadãos e que, de vez em quando, não é possível fazer o que se sabe que é o correto. Estamos conscientes de que nem sempre Portugal poderia ter feito o que desejava, ou seja, de acordo com as boas relações entre os nossos dois países. Esforçamo-nos por não levar a mal esses tais momentos de disputa, pois acredito que Portugal é nosso amigo. Cabe aos políticos de hoje, de ambos os lados, não olharem demasiado para o passado, mas sim virarem-se para o futuro e, em conjunto, com esforços mútuos, encontrarem as modalidades de cooperação que mais vantagens trazem para os cidadãos da Sérvia e de Portugal.
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Hashim Thaçi, presidente do Kosovo e antigo líder do UÇK, disse em entrevista à agência Reuters que a Sérvia quer anexar a parte norte do Kosovo, como a Rússia fez com a Crimeia. No início deste mês, o senhor cancelou a sua visita ao Kosovo e o ex-primeiro-ministro kosovar Ramush Haradinaj foi detido em França à luz de um mandado de captura sérvio. Na semana passada, ao jornal sérvio Kurir, o senhor foi citado a dizer: "E sim, eu disse que se fosse necessário iria para a guerra, tal como os meus filhos." Posto tudo isto, deve a Europa estar preocupada com uma possível guerra entre a Sérvia e o Kosovo?
Coloca a questão à pessoa errada. Em primeiro lugar não fomos nós a enviar pessoas armadas contra os albaneses. Muito pelo contrário: naquele dia [14] as autoridades temporárias de Pristina enviaram membros da unidade especial ROSU com veículos de combate para o Norte do Kosovo e Metohija, povoado exclusivamente por sérvios, e, como tal, infringiram brutalmente as disposições do acordo de Bruxelas, que só permite essa situação se houver autorização da população local. Neste caso não havia essa autorização. Pristina também infringiu o acordo relativo à liberdade de movimentos, pois a ROSU foi enviada para parar um comboio. Não um tanque, não um veículo blindado, mas um comboio com civis que queriam chegar a Kosovska e Mitrovica. Mas os albaneses ficaram calados sobre esse facto, tal como aqueles que na comunidade internacional hipocritamente lhes dão cobertura política. É absolutamente absurdo afirmar que a Sérvia deseja anexar o Norte do Kosovo e Metohija. Essencialmente, isso não é possível pois Kosovo e Metohija já se encontra no âmbito da Sérvia. A tal chamada independência que, infelizmente, alguns países, entre os quais Portugal, reconheceram, é contrária a todos os princípios do direito internacional que servem de fundamento à civilização humana contemporânea. As declarações inflamadas de Hashim Thaçi e de outros oficiais de Pristina deviam preocupar a Europa. Mas a Europa pode resolver isso com toda facilidade, mostrando de forma inequívoca que isso não será tolerado. No que toca à Sérvia - e a mim pessoalmente -, cumprimos com todas as obrigações do acordo de Bruxelas. Não infringimos nada que assumimos como obrigação. Acho que o mesmo não pode ser dito sobre os albaneses em Pristina. Ramush Haradinaj foi detido e acusado de crimes pesados e brutais, não no âmbito de qualquer jogo político. E sim, cancelei a minha visita a Štrbac, pois um dia antes a administração de Pristina foi maltratar desnecessariamente e sem razão nenhuma os meus colaboradores na passagem de Merdare. Sobre a minha declaração ao jornal Kurir, se a Comunidade Europeia permitisse mais um pogrom [ataque violento] aos sérvios no Kosovo e Metohija, o que já aconteceu duas vezes nos últimos 20 anos, no vosso entender, será que a Sérvia devia meter a cabeça na areia? Será que Portugal iria meter a cabeça na areia se estivesse no nosso lugar?
Em 2014 Vladimir Putin foi o vosso convidado de honra na parada militar sérvia que marcou o 70.º aniversário da libertação de Belgrado da ocupação nazi com a ajuda das tropas soviéticas. Disse então que a Rússia é o grande aliado da Sérvia. Ainda continua pensar assim?
Continuo a pensar assim e essa é a opinião da maioria dos cidadãos da Sérvia. Não é só uma questão emocional, mas a Sérvia tem tido continuadamente grande ajuda e apoio da Rússia e do presidente Vladimir Putin para muitos assuntos que são importantes para nós, como a defesa da nossa soberania e integridade territorial. Por isso estamos gratos, da mesma forma que estamos gratos a todos os Estados que nos ajudam neste sentido.
Discorda daqueles que dizem que Vladimir Putin e o novo presidente dos EUA, Donald Trump, estão tentar dividir a UE e a NATO?
Esse tipo de declarações é espalhado por aqueles que, perante um eventual acordo entre os dois com o objetivo de diminuir a tensão no mundo, veem ameaçados os seus interesses egoístas. Todo o homem de boa-fé deve apoiar a aproximação e estabelecimento de diálogo entre a Federação Russa e os EUA. Agrada-me ver que o presidente Putin e o presidente Trump demonstram prontidão para resolver finalmente alguns problemas que há demasiado tempo pressionam o nosso planeta.
Como obter um equilíbrio entre as relações com a Rússia e o facto de a Sérvia estar a negociar a sua adesão à União Europeia?
Não é fácil. Acreditem. O maior problema que a Sérvia enfrenta são as pressões contínuas para sincronizar a sua política externa com a da UE. Traduzindo, isso significa que deveríamos introduzir sanções contra a Rússia, algo que nunca vamos fazer. Isso é realmente impossível para nós e iria prejudicar imensamente a economia sérvia e os seus interesses nacionais vitais. Iríamos ficar sem o aliado principal para numerosos problemas que a Sérvia enfrenta, como a defesa dos interesses sérvios no Kosovo e Metohija, algo que o nosso país não pode permitir. Por enquanto conseguimos conduzir uma política equilibrada entre Oriente e Ocidente. Acreditamos que esse é o único caminho real e espero que continuemos nele no futuro. A política da Sérvia é a criação de amizades e não de conflitos. Espero que ninguém nos pressione nesse sentido.
Nos últimos tempos vimos imagens terríveis de refugiados deixados ao frio e na neve na Sérvia. Porque é que isso acontece?
Onde viram isso? Em que jornais? Em primeiro lugar deve questionar-se se essas imagens são fiéis à realidade. Facilmente pode acontecer que não o sejam. No início da crise dos refugiados e da abertura da rota Ocidental dos Balcãs, a República da Sérvia possuía capacidades de acomodação em cinco centros de asilo com 810 vagas. Atualmente, no território da Sérvia funcionam 16 centros com 6200 vagas. Preparamos a abertura de mais um centro em Kikinda com mais 200 camas. Além disso, temos planos para ampliar as capacidades em Sjenica, Sombor, Subotica, Principovac, Pirot, Divljani e Bosilegrad. Vamos abrir novos centros em Aleksinac, Vranje e Zajeèar, desde logo para abrigar as pessoas com estadas mais longas. Portanto, todos os refugiados que estão na Sérvia têm a possibilidade de ter acomodação em espaços adequados e aquecidos. Quando eles não querem, é outro assunto. Ninguém pode obrigá-los à força. Na Sérvia eles encontram-se em trânsito e não desejam permanecer por muito tempo. O seu objetivo é a Alemanha e os países ricos da Europa Ocidental. Por causa disso, alguns deles não querem que o Estado da Sérvia os acomode nos centros de acolhimento, provavelmente tendo receio de que isso signifique uma estada prolongada no nosso país... e não é isso que desejam. Desde o início da crise dos refugiados, a Sérvia, através do seu próprio exemplo, demonstrou que cumpre os princípios europeus da humanidade e de respeito pelos direitos humanos. Acho que nenhuma publicação tabloide vai conseguir manchar a imagem que a Sérvia tem construído com todo o mérito.
Do vosso ponto de vista, qual é a melhor solução para a crise dos refugiados na Europa?
Acho que é impossível resolver a crise dos refugiados somente com a eliminação das consequências, enquanto a causa continuar a existir. Muitos estadistas europeus, com os quais tive a oportunidade de conversar, estão de acordo com esse ponto de vista. Portanto, a crise dos refugiados será resolvida no momento em que o mundo civilizado se unir finalmente e eliminar o perigo de terrorismo e guerra na Síria e no Iraque. Quando, em conjunto, conseguirmos criar condições para que essas pessoas possam permanecer nas suas casas em paz, tendo emprego, um rendimento que permita uma vida digna tanto para elas como para as suas famílias. Isso é uma tarefa que só pode ser realizada em conjunto e, por isso, saúdo os sinais positivos dados pelos presidentes Vladimir Putin e Donald Trump.
Como vê a ascensão dos movimentos e partidos populistas na UE?
A crise dos refugiados, juntamente com as diferenças económicas e sociais e os problemas que existem na própria Comunidade Europeia, que vão do Norte ao Sul e do Oriente ao Ocidente, são a principal causa do florescimento dos movimentos populistas na CE. Os cidadãos perceberam que a burocracia de Bruxelas não sabe como lidar com os problemas acrescidos, que os princípios em que a Europa foi edificada permanecem letra morta no papel, e resolveram procurar a solução nos movimentos e partidos populistas. Possivelmente isso poderia ter sido evitado se todos os Estados tivessem dado maior apoio aos órgãos da CE eleitos democraticamente e não aos centros artificiais de poder. E se Bruxelas prestasse também maior atenção às necessidades das pessoas e não somente aos círculos de interesses.
Vai candidatar-se às eleições presidenciais sérvias de 9 de abril? Vojislav Šešelj, o líder do SRS, que também já foi o seu partido no passado, é um dos candidatos. Apesar de ter sido absolvido de crimes de guerra pelo Tribunal Internacional de Haia, não acha que a sua candidatura pode prejudicar a imagem internacional da Sérvia?
Cada campanha pré-eleitoral em cada país do mundo dá origem a personagens pitorescas, mas sem oportunidade real de ganharem eleições. Não creio que a sua candidatura possa ter impacto na imagem da Sérvia. Em tempos difíceis cumpri as obrigações como presidente de todos os cidadãos da Sérvia e, diferenças políticas à parte, ninguém tem objeções quanto à minha atuação nessas funções. Não ficaria bem, nem para mim próprio, que vocês conhecessem a minha decisão antes dos cidadãos da Sérvia. Assim, relativamente a essa questão, pediria que tivessem paciência até ao dia 15 de fevereiro.