Sara Winter quis castrar Bolsonaro, hoje defende-o de pistola na mão
O "Cortar o Mal Pela Raiz" na Avenida Atlântica, Rio de Janeiro, em 2014, era apenas mais um evento de entre todos os que a então líder da célula brasileira do grupo feminista radical Femen organizou. Nesse dia, Sara Winter, então com 21 anos, simulou através de um boneco a castração do deputado e ex-capitão do exército Jair Bolsonaro, o terror das feministas. Hoje, ele é presidente da República. E ela, agora com 27, é a chefe do "300 do Brasil", um grupo acampado em Brasília que o defende de arma em punho.
O "300 do Brasil", formado por alguns dos apoiantes mais radicais de Bolsonaro, foi notícia nas últimas semanas por vir arrecadando dinheiro em "vaquinhas online" e por ter sido chamado de "milícia armada" por um grupo de procuradores que entrou com ação civil pública na justiça a pedir a sua extinção.
Mas nos últimos dias as notícias sobre o grupo e a sua líder tomaram as manchetes dos jornais. Ela foi um dos alvos de mandatos de busca e apreensão numa operação da polícia federal contra a propagação de fake news por parte de fanáticos bolsonaristas.
Autorizada por Alexandre de Moraes, um dos 11 juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), a operação deixou o próprio Jair Bolsonaro irritado: "Chega, porra!".
Mas mais possessa ainda a própria Sara Winter, que deixou ameaças em vídeo ao ver o seu computador apreendido.
"Pena que ele [Alexandre de Moraes] mora em São Paulo, se ele estivesse aqui eu estava na porta de casa dele convidando para trocar soco comigo, juro por Deus eu queria trocar soco com esse filho da p*** desse arrombado, infelizmente eu não posso mas você me aguarde Alexandre de Moraes, o senhor nunca mais vai ter paz na vida, a gente vai infernizar a tua vida, descobrir os lugares que você frequenta, as empregas domésticas que trabalham para o senhor até o senhor pedir para sair".
Sara Winter, a enérgica feminista metamorfoseada de radical bolsonarista, entretanto, já admitiu a presença de armas no acampamento dos "300 do Brasil". Mas nega o rótulo de "milícia armada": "No nosso grupo, há membros que são CAC [sigla para Colecionador, Atirador e Caçador], outros que possuem armas devidamente registadas nos órgãos competentes, essas armas servem para a proteção dos próprios membros do acampamento e nada têm a ver com a nossa militância", disse ela em entrevista à BBC Brasil.
Ainda na mesma reportagem garantiu que "o 300 do Brasil opta por métodos de ação não-violenta" e desmentiu "a intenção de invadir o Congresso ou STF" mesmo depois de, em pelo menos duas manifestações, o grupo ter declarado guerra aos representantes dos poderes legislativo e judicial em solidariedade com Bolsonaro.
Em publicações nas redes sociais dos últimos anos, aliás, Sara apoiou o "extermínio da esquerda", disse-se pronta "a dar a vida pela nação" e defendeu que membros do STF "sejam removidos pela lei ou pelas mãos do povo".
Antes de liderar o "300 do Brasil", a ativista atuou em 2019 como coordenadora-geral da Atenção Integral à Gestante e à Maternidade do Ministério da Família, Mulheres, e Direitos Humanos, por indicação da ministra e pastora evangélica Damares Alves, com quem compartilha bandeiras contra o feminismo e o aborto.
E em 2018 promoveu o 1.º Congresso Anti-Feminista do Brasil, no Rio de Janeiro, um evento a que, segundo a reportagem da revista Época que o acompanhou, compareceram maioritariamente homens a rezar o pai-nosso, a cantar o hino nacional brasileiro e a tomar café ao lado de pequenos fetos de borracha em alusão ao aborto.
Mas foi três anos antes, em 2015, que se transformou: partilhou um vídeo nas redes sociais onde pedia perdão aos cristãos, surgiu na Câmara dos Deputados com um rosário na mão, jurou reger a sua vida pelos 10 mandamentos, por Jesus e pela Virgem Maria, tornou-se férrea ativista contra o aborto, lançou-se na política pelo DEM, um dos partidos mais conservadores do parlamento, e passou a apoiar a candidatura presidencial de Bolsonaro.
O mesmo homem que mantinha sob mira em 2014. "Queremos mostrar ao Bolsonaro que nem mulher nua merece ser estuprada", afirmava naquele evento na Avenida Atlântica ao lado do boneco castrado.
Os brasileiros habituaram-se por esses anos a ver Sara Fernanda Giromini, de seu nome verdadeiro, com os seios destapados e pintados com a frase, em inglês, "enquanto a sua seleção está jogando, brasileiros estão morrendo" na praia de Ipanema, no Rio, durante o Mundial de futebol no país, ou completamente nua, na Avenida Paulista, em São Paulo, num ato ao lado do grupo feminista "Bastardxs", que fundou depois de romper com o Femen, pelo parto livre.
Também completamente nua surgiu no centro da Cidade Maravilhosa amarrada a uma grade, suja de tinta encarnada a simular sangue e com um cartaz a seus pés onde se lia "machismo mata", como resposta ao comentário "um pouco de machismo até faz bem", de um ator de uma novela então em exibição na TV Globo.
Ao longo de três anos, repetiu "beijaços gay" em frente a igrejas nas duas principais cidades brasileiras, atou-se a uma cruz ao lado de uma outra ativista com a sigla LGBT, pintou nos seios e no ventre palavras de ordem como "eu sou gay", "fui prostituta: mereço morrer?", "legalize aborto", "por livre e espontânea vontade", "free fuck".
Tudo com base, contou ela, em ensinamentos colhidos em Kiev das fundadoras do "Femen": não sorrir, mentir aos polícias em depoimento e fingir dor ao ser confrontada pelos agentes nas manifestações por causa dos fotos na imprensa.
O instante que mudou a sua perceção de vida, afirma, surgiu depois de fazer um aborto e de se sentir "tudo menos empoderada".
Mas em entrevista de 2013 ao portal UOL a líder do Femen Anna Shevchenko revelava que Winter não abandonara a organização: fora expulsa. "Tivemos muitos problemas com ela, não está pronta para ser líder", disse Shevchenko.
Bruna Themis, sua número dois no Brasil, também a acusou de "centralização, autoritarismo e simpatia com o nazismo". Sara admitiu que aos 15 anos participou de grupos de internet neo-nazis e reconheceu admiração por Plínio Salgado, fundador do Ação Integralista, um partido brasileiro de extrema-direita da década de 30 mas que depois se arrependeu.
Uma vida, portanto, cheia de curvas que a levou, pelo menos por agora, a um acampamento armado pró-Bolsonaro em Brasília.