Termina o "bloqueio" em Espanha: Sánchez eleito primeiro-ministro
O líder socialista espanhol, Pedro Sánchez, reiterou esta terça-feira que só há uma solução de governo em Espanha: "Ou coligação progressista ou mais bloqueio". Na segunda votação no Congresso, após falhar a maioria absoluta no domingo, conseguiu a maioria simples de votos para ser investido primeiro-ministro e acabar com esse bloqueio.
Sánchez só precisava esta terça-feira de mais "sim" do que "não" e conseguiu: 167 votos a favor, 165 contra e 18 abstenções. E vai liderar a primeira coligação de governo desde o regresso da democracia a Espanha, depois de ter chegado a acordo com a Unidas Podemos de Pablo Iglesias e contar com a abstenção de nacionalistas bascos e catalães.
Depois da votação, Sánchez foi ovacionado pela esquerda e ficou no lugar para cumprimentar os deputados. Iglesias, que será vice-presidente do governo, entregou um ramo de flores à deputada Ainda Vidal, a lutar contra um cancro. O líder do Podemos estava visivelmente emocionado depois de abraçar o deputado Pablo Echenique.
Sánchez começou o debate desta terça-feira por dizer que, nos últimos quatro anos, o país esteve sem um governo em pleno durante um ano e meio. "Acho que será um momento oportuno para que esse vazio não se volte a repetir", disse, defendendo procurar uma solução para evitar que a situação de repita no futuro. "Quero manifestar o meu compromisso de procurar com os distintos grupos fórmulas para facilitar no futuro maiorias de governo frente a maioria de bloqueio", afirmou.
"É inadmissível que esta situação se repita no futuro, mas é inadmissível que a situação continue assim mais um dia", defendeu Sánchez, queixando-se da "maioria de bloqueio".
O líder socialista falou de uma "coligação inédita" em Espanha, sendo que desde o regresso da democracia que nunca houve um governo de coligação. "É a única opção de governo", afirmou. "Cinco eleições não são uma coincidência, chama-se democracia e significa a expressão da vontade popular", reiterou, dizendo que o primeiro princípio da democracia é aceitar o resultado das urnas. "Ou coligação progressista ou mais bloqueio para Espanha.
Sánchez atacou a direita no debate, alegando que para eles "ou governa a direita ou não governa ninguém". E dirigindo-se aos deputados que tentavam interromper o debate, respondeu: "Compreendo a vossa frustração, tentaram tudo mas fracassaram. Procuraram a tensão na situação para ver se aparecia em algum lado uma oportunidade. Não conseguiram, governará uma coligação progressista. Peço que aceitem a realidade: perderam as eleições e hoje a votação. Não se pode construir nada positivo desde a frustração."
O líder socialista, que ao contrário de sábado onde não tinha tempo contado agora só podia falar dez minutos, falou ainda da necessidade de diálogo, referindo-se à Catalunha. "Vamos viver um tempo de diálogo. Necessário para superar os contenciosos territoriais. Sempre dentro da Constituição."
Sánchez pediu o fim do "clima tóxico", dizendo que vai esforçar-se para um clima positivo. "Confio que superando este trâmite parlamentar seja possível superar o clima de crispação, de irritação, e possamos recuperar um espaço para o entendimento e o consenso", disse.
No final, citou Manuel Azaña, último presidente da República (1936-1939), que já tinha sido citado por José Luis Zapatero em 2007: "Ninguém tem o direito a monopolizar o patriotismo."
O líder do PP, Pablo Casado, começou a sua resposta "reivindicando a Constituição e a máxima autoridade do Estado, o rei Felipe VI".
Casado criticou o facto de Sánchez depender dos votos dos "dois grandes inimigos da democracia espanhola, os terroristas e os golpistas", referindo-se aos bascos do EH Bildu e aos catalães da Esquerda Republicana da Catalunha.
O líder do PP apelidou Sánchez de "cavalo de Tróia" que foi conjurado para "destruir" o Estado espanhol, depois de ter criticado o socialista por ter convocado novas eleições para não depender da extrema-esquerda e dos independentistas e depois ter chegado a acordo de governo com eles. "Mentiu. Esse é o estigma com que nasce este governo, o mais radical de Espanha", alegou, defendendo que o "disfarce de moderado" de Sánchez já caiu e acusando-o de "desertar das suas obrigações constitucionais".
"A sua única pátria é você", disse Casado a Sánchez, reiterando que no Congresso espanhol não se vota esta terça-feira uma investidura mas uma "mudança de regime". E acusou o líder socialista de ser o "espantalho do nacionalismo".
Casado defende que o que aconteceu esta semana lhe dá medo. E cita também Azaña: "Eu tolero que ataquem a República, mas não vou tolerar que ataquem Espanha."
"Queremos conviver, mas dentro da lei", disse Casado. E terminou o discurso assegurando: "Muito em breve recuperaremos o sonho dos espanhóis".
O líder do Vox, Santiago Abascal, começou por lembrar a mulher e a criança assassinadas na segunda-feira -- "Com uma lei de violência intrafamiliar isso teria sido evitado" -- e falou em vários exemplos de violência às mãos de estrangeiros só no primeiro dia do ano, incluindo uma "manada de sete magrebinos por agressão sexual em Pamplona" que já estão em liberdade.
"Não lhes dedicaram nem um só minuto nesta câmara, só atacam ao Vox", referiu.
Abascal falou ainda num "golpe constitucional", lembrando a Sánchez que "quem lhe dá segurança é a ETA". E terminou o discurso com um "Viva o Rei" e um "Viva Espanha", que é gritado pelo resto da bancada do Vox.
Aplaudido de pé pelas bancadas socialistas e da Unidas Podemos, Pablo Iglesias agradeceu à deputada Aina Vidal, do En Comú Podem, que por causa de um cancro não esteve na primeira votação mas que está esta terça-feira no hemiciclo (o seu voto é essencial). "Obrigado Aina por estar aqui", disse, com a deputada a receber também uma ovação.
"Se querem defender a monarquia, evitem que a monarquia se identifique com vocês", lançou para a extrema-direita do Vox. "Se algo sabia o rei Juan Carlos I, que vinha de onde vinha, é que só afastando-se da direita a instituição podia sobreviver. Talvez vocês se tenham convertido na maior ameaça para a monarquia", defendeu, já depois de mencionar também a vítima de violência doméstica e pedindo que o Vox deixe de usar a dor das vítimas do terrorismo em seu benefício.
Iglesias lançou uma mensagem para o coletivo LGBTI, dizendo que o próximo governo vai trabalhar para que possam amar quem quiserem e possam organizar as suas famílias como quiserem, mas também para os imigrantes ("defenderemos os direitos humanos de todos os que fugindo vieram trabalhar connosco") e aos trabalhadores e aos que deixaram Espanha no meio da crise. E disse que o novo governo também vai trabalhar "para que catalães, bascos ou canários" possam defender "a sua liberdade para se emocionarem com os símbolos que quiserem".
E dirigindo-se diretamente a Sánchez: "Pedro, não nos vão atacar pelo que fizermos. Vão-nos atacar pelo que somos. Frente aos intolerantes, peço-te que tenhas o melhor tom e a melhor firmeza democrática."
A porta-voz do PSOE no Congresso, Adriana Lastra, que terminou o debate, criticou a oposição por não aceitar o resultado das eleições. "A democracia apoia-se na forma de governo que tem mais apoios, mas também porque a oposição aceita o resultado. Vimos como alguns não aceitam que haja governo e nem aceitam o resultado das eleições. Questionaram o direito da maioria de formar governo", afirmou.
"As vossas práticas não são de partidos democratas defensores da Constituição. Chamem-se o que quiserem, mas deixem de se reivindicar como constitucionalistas", afirmou, criticando as ameaças a vários deputados, mencionando diretamente o da Teruel Existe que nem dormiu em casa por causa das ameaças.
Em relação às campanha de perseguição, para tentar impedir uma maioria de formar governo, lembra: "Aqui há 167 corajosos. Gente honrada e muito digna. Sobretudo honesta", indicou. "Este dia fecha o tempo de bloqueio e abre a primeira coligação progressista da nossa democracia."
Numa mensagem diretamente a Sánchez, emocionada, afirmou: "Obrigada por não teres perdido nunca a força."
Antes de Lastra, falaram os restantes partidos com assento parlamentar.
A intervenção de Laura Borràs, do Junts per Catalunya, ficou marcada pelas críticas às várias mudanças de rumo de Sánchez. "Não podemos votar contra a Catalunha e a favor da repressão", disse Borràs, reiterando que o seu voto será "não" ao governo de coligação. "Apesar de tudo, com independentistas exigentes, continuaremos com esperança, sem medo e com firmeza."
Íñigo Errejón, ex-Podemos e atual deputado do Más País, felicitou Sánchez e Iglesias pelo acordo, lamentando apenas que este não tenha ocorrido há quatro anos, em melhores condições do que agora. O Más País votou a favor do governo de coligação, mas deixou o alerta: "Não pode ser um governo contra as direitas. Espanha não está dividida ao meio, mas pela desigualdade."
Também o deputado do Compromís, Joan Baldoví, disse que ia votar a favor da investidura, mas lembrou que não será um cheque em branco ao governo e que espera que algumas medidas acordadas comecem a implementar-se.
A deputada da Coligação Canária, Ana Oramas, votou "não" porque acima dos seus interesses pessoais e do partido estão os interesses das Canárias. Pediu desculpa à sua formação política, porque não usou os canais corretos para expor a sua decisão individual -- o partido votou pela abstenção e ela vai contra a disciplina de votos.
Pedro Quevedo, da Nova Canárias, confirmou o "sim" a Sánchez no discurso. "Escuto pouco a Abascal por razões de saúde e submeto-me às minhas ideias, ao meu partido e aos interesses da minha gente. Cumpriremos com o que dissemos no outro dia."
Néstor Rego, do Bloco Nacionalista Basco, também confirmou o "sim" a Sánchez. "Defender a Galiza e a democracia leva-nos a votar sim. Porque conseguimos um acordo que ajudará a melhorar a vida dos galegos e das galegas. E porque diante desta extrema-direita não há lugar a vacilações".
Já José María Mazón, do Partido Regionalista da Cantábria (PRC), reiterou o seu "não", dizendo que o governo vai durar "o que a ERC quiser". Criticou a ideia de que possa haver um referendo na Catalunha sem a participação do resto dos espanhóis. "Põe em risco as autonomias. Queremos um governo estável para Espanha, mas não a qualquer preço."
O deputado da Teruel Existe, Tomás Guitarte, disse que "por responsabilidade institucional" ia votar a favor do governo.
A deputada da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), Montserrat Bassa, discursou emocionada em vez do porta-voz parlamentar, Gabriel Rufián: "Roubaram-nos um pedaço da vida", disse. A deputada é irmã de Dolors Bassa, condenada a 12 anos de prisão no julgamento do processo independentista. "Não sei se fazem ideia da dor, da raiva que gerou nas nossas famílias", referiu, lembrando que não só os juízes mas também os deputados são verdugos. "Está nas vossas mãos mudar a lei."
"Preferem golpear e prender a reconhecer um direito democrático como o da autodeterminação", afirmou, num discurso muito interrompido pelos deputados da extrema-direita, que gritaram "golpista". O partido absteve-se na votação, não sem Bassa lembrar que não se importa com a governabilidade de Espanha e que por ela votaria "não". Mas, defendeu, acreditamos na paz e na palavra frente à violência e ao ódio. "Não somos como eles".
A porta-voz do Ciudadanos no Congresso, Inés Arrimadas, lembrou a Sánchez que nenhum espanhol votou nele a pensar neste governo de coligação progressista. Arrimadas defendeu que votaram porque ele prometia prender o ex-presidente catalão, Carles Puigdemont, ou porque dizia que não conseguiria dormir se o Podemos estivesse também no governo.
"Aprenda com os erros do passado", pediu-lhe, lembrando que ela tinha oferecido outra hipótese de governo e que ele não quis. Arrimadas pediu a algum deputado socialista para saltar a disciplina de voto, o que não se confirmou. "Não há nesta bancada um voto corajoso como a de Oramas?", perguntou. "Não há nenhum deputado que se atreva a dizer o que vocês mesmos diziam durante a campanha?"
"Não é progressismo, é sanchismo", acusou a porta-voz do Ciudadanos, dizendo que Sánchez quer "trincheiras e extremos" e que são necessários "projetos para todos os espanhóis desde o centro."
Aitor Esteban, do Partido Nacionalista Basco, criticou a forma como o debate decorreu. "Ninguém tem legitimidade para interromper e criar obstáculos no debate", afirmou. E diante dos que criticam o governo, mas defendem o rei lembra em primeiro lugar que o chefe de Estado pode ser tão alvo de críticas como outra instituição qualquer do Estado e que foi o próprio Felipe VI que propôs o nome de Sánchez para liderar o governo, já sabendo que havia um acordo de governo com o Podemos.
"Se hoje estamos aqui é porque o rei quis, porque na ronda de consultas na Zarzuela já era conhecido o acordo entre Sánchez e Iglesias. E o rei podia ter proposto outro nome, mas propôs o de Sánchez. Segundo a vossa versão [da direita], que irresponsabilidade a do monarca", afirmou.
"O verdadeiro desafio começa amanhã", disse. "Não sei o que sairá, mas sei que é a única possibilidade e temos que tentar", acrescentou Esteban, reiterando o "sim" a Sánchez.
O Vox abandonou o hemiciclo durante a intervenção dos bascos do EH Bildu, pela voz do deputado Oskar Matute. Na mesa, o deputado do PP, Adolfo Suárez Illana, filho do ex-primeiro-ministro Adolfo Suárez, virou-lhe as costas. Matute comparou-o a um jurado do programa de televisão The Voice. "Não estamos aqui para lhes agradar, mas para lhes dizer com a nossa presença que não nos venceram nem nos domesticaram", indicou. O Bildu absteve-se.
Mireia Vehí, da Candidatura de Unidade Popular (CUP, independentistas catalães), falou para o Vox: "Têm um problema com a democracia. Não suportam nem a pluralidade, nem a inteligência, nem a dissidência", afirmou e a Abascal pediu que pare de fazer comentários racistas, lembrando que o independentismo da CUP "é sobretudo antifascista". Votou "não" ao governo de Sánchez.
Carlos García Adanero, da União do Povo Navarro, criticou Sánchez porque vai na quarta-feira jurar a Constituição diante do rei com o apoio dos partidos que atacam o rei e odeiam a Espanha. E criticou o socialista por ter posto como interlocutor em Navarra o PNV. "Em Navarra não queremos ser Euskadi."
A última intervenção dos partidos pequenos foi de Isidro Martínez, do Foro Astúrias, que também votou "não".
A segunda votação tem lugar dois dias depois de o líder socialista não ter conseguido o apoio da maioria absoluta dos deputados, isto é, 176 dos representantes no Congresso espanhol (350) na primeira votação.
Na segunda votação, Sánchez só precisava de maioria simples, mais "sim" do que "não". O líder socialista esperava os votos de 167 membros do parlamento -- os 166 que já o apoiaram na primeira votação mais um de uma deputada que faltou por doença --, contra 165, sendo de prever 18 abstenções. Um resultado que se comprovou.
Entre estas abstenções estavam os 13 deputados dos independentistas catalães da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), com quem Sánchez negociou a criação de uma "mesa de diálogo" para resolver "o conflito político sobre o futuro da Catalunha". O líder da ERC, Oriol Junqueras, foi condenado a 13 anos de prisão pelo seu envolvimento na organização do referendo de 2017 e consequente declaração de independência da Catalunha.
A margem de aprovação escassa e o grande receio de algum membro socialista não estivesse presente na votação decisiva levaram a que o PSOE desse instruções para que todos os seus deputados viessem dormir a Madrid esta noite.
A coligação de governo com a Unidas Podemos, que terá cinco pastas no executivo incluindo uma vice-presidência para Pablo Iglesias, e o apoio dos independentistas é contestada pela direita. "Hoje consuma-se a maior fraude de Sánchez", disse o secretário-geral do Partido Popular, Teodoro García Egea, ainda antes do início do debate.
Entre as propostas do novo executivo, reveladas no debate de sábado, estão o aumento dos salários mais baixos e dos impostos sobre as maiores empresas, assim como reverter a reforma do mercado de trabalho feita em 2012 pelo governo de Mariano Rajoy.