Riade põe fim a ligações aéreas e comerciais com Teerão

Meca e Medina permanecem abertas a peregrinos iranianos. Irão acusa Riade de "conspirar para baixar preço do petróleo".
Publicado a
Atualizado a

A Arábia Saudita anunciou ontem a suspensão das ligações aéreas e de relações comerciais com o Irão, exigindo que o regime de Teerão atue de forma "normal", antes de considerar o restabelecimento das relações diplomáticas. Além disso, os cidadãos sauditas estão desde agora interditos de viajarem para território iraniano.

[artigo:4962512]

O anúncio foi feito pelo ministro dos Negócios Estrangeiros saudita, Adel al-Jubeir, numa entrevista à Reuters em que considerou Teerão como responsável pela escalada de tensões que se vive desde a execução no sábado passado do clérigo xiita Nimr al-Nimr pelas autoridades de Riade, acusado de "terrorismo" por defender maiores direitos para as minorias xiitas na Arábia Saudita e noutros países da região. A divisão entre xiitas e sunitas, cujo um dos expoentes é o reino saudita, é a principal clivagem político-religioso no mundo muçulmano, sendo o Irão, nação persa, o expoente máximo do xiismo.

As declarações de Adel al-Jubeir foram feitas ao final de um dia em que prosseguiram os protestos pela execução de Nimr al-Nimr, com especial relevância no Iraque. Neste país árabe, em que a maioria da população segue a denominação xiita, foram atacadas mesquitas sunitas na capital, Bagdad, e em cidades do Sul do país. Foram ainda mortas duas pessoas em retaliação pela execução do clérigo xiita.

[artigo:4961316]

O diplomata saudita salientou que os peregrinos iranianos continuarão a ser autorizados a deslocarem-se a Meca e Medina, os dois lugares mais santos do islão.

Para o ministro Adel al-Jubeir, a resposta do seu país é meramente "reativa": são os "iranianos que estão no Líbano. São os iranianos que enviaram os Guardas da Revolução para a Síria", referência ao apoio militar direto de Teerão ao regime de Bashar al-Assad, que segue uma variante do xiismo, num país maioritariamente sunita. Adel al-Jubeir acusou ainda o Irão de desestabilizar alguns países do Golfo, como o Iémen, onde tem apoiado a rebelião houthi contra o presidente Mansour Hadi, que é apoiado por Riade.

Em paralelo com a decisão saudita de reduzir ao mínimo os contactos com o Irão, os Emirados Árabes Unidos (EAU), importante aliado de Riade, o Bahrein e o Sudão anunciaram o regresso dos seus embaixadores em Teerão e exigiram a saída dos representantes diplomáticos iranianos.

Para o Ministério dos Negócios Estrangeiros dos EAU a decisão agora tomada resultou da "contínua interferência do Irão nos assuntos internos dos Estados Árabes do Golfo, que atingiu níveis sem precedentes". Com a mesma argumentação se pronunciaram as autoridades do Bahrein, um Estado de maioria xiita governado por uma monarquia sunita, que em outubro já acusara Teerão de contrabandear armas para grupos xiitas locais. As relações entre os dois governos têm sido marcadas por uma crescente degradação desde o início da Primavera Árabe, quando a monarquia do Bahrein acusou o Irão de estar a apoiar a oposição local ao regime. A posição de Cartum foi sustentada como apenas um protesto por violação da neutralidade da embaixada saudita em Teerão, e a notícia chegou aos media internacionais através da agência iraniana Fars.

Teerão reagiu à decisão saudita de cortar relações diplomáticas, declarando que Riade, "a braços com problemas internos e externos, optou por aumentar as tensões regionais", disse um porta-voz da diplomacia iraniana, Hossein Jaberi-Ansari, numa conferência de imprensa transmitida ontem ao vivo pelas televisões locais.

"Erros estratégicos"

Um outro responsável iraniano, o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros Hossein Amir Abdollahian, acusou os sauditas de sucessivos "erros estratégicos", entre os quais o desenvolvimento do terrorismo na região e de "conspirar para baixar os preços do petróleo".

Tendo como pano de fundo a guerra civil na Síria, onde Teerão e Riade se enfrentam indiretamente, com o Irão a apoiar o regime de Assad e Riade alguns movimentos da oposição, este capítulo é mais um num longo historial de tensões desde a fundação da república islâmica do Irão, em 1979. Tensões que culminaram na suspensão das relações, entre 1987 e 1991, devido a comentários duros do ayatollah Khomeini sobre a monarquia saudita. Desde então, a rivalidade religioso-estratégica entre os dois Estados nunca deixou de influenciar as suas relações

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt