É agora ou nunca. Foi assim que o enviado da ONU para a questão de Chipre, Espen Barth Eide, ontem descreveu a janela de oportunidade para se chegar a um acordo sobre a reunificação da ilha, numa altura em que os líderes cipriota-grego e cipriota-turco estão reunidos em mais uma ronda de negociações em Genebra. O objetivo é chegar a quinta-feira com um acordo que tenha o aval da ONU e dos três chamados Estados garante: Reino Unido, Turquia e Grécia. É esse o objetivo da conferência a cinco que será presidida nesse dia pelo novo secretário-geral das Nações Unidas António Guterres, o qual falou em oportunidade histórica.."Os líderes estão a demonstrar uma grande coragem e vontade. Vai ser difícil mas é possível. Estamos no momento da verdade", declarou ontem aos jornalistas em Genebra o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros da Noruega, que foi nomeado para acompanhar as negociações sobre Chipre ainda por Ban Ki-moon (antecessor de Guterres na liderança da ONU). Os líderes cipriota-grego e cipriota-turco estavam cautelosos. "Perguntem-me no fim", disse em Genebra o presidente da República de Chipre Nikos Anastasiades. "Não estamos pessimistas, mas não há necessidade de expectativas demasiado exageradas. Espera-nos uma semana difícil", afirmara na véspera o presidente da autoproclamada República do Norte de Chipre, Mustafa Akinci..A ilha de Chipre tornou-se independente em agosto de 1960, após um acordo entre as comunidades grega e turca sobre uma nova Constituição e a promulgação dos Tratados de Aliança e Garantia, que fixaram três Estados garante da convivência entre ambas: Reino Unido, Turquia, Grécia. Em 1974, após breve golpe de Estado pró-helénico a Turquia ocupou o Norte de Chipre para, diz, assegurar os interesses dos cipriotas-turcos. Estes proclamaram, em 1983, a República Turca de Norte de Chipre, só reconhecida pela Turquia (que tem lá 33 mil militares). A divisão levou à intervenção da ONU, que tem na ilha uma das mais antigas missões de paz..A haver um acordo agora, ele teria de ser referendado em simultâneo pelas duas comunidades. Uma tentativa prévia, em abril de 2004, uma semana antes de Chipre aderir à União Europeia (UE), falhou, com os cipriotas-gregos a rejeitarem a proposta do plano Annan por 76% dos votos e com os cipriotas-turcos a aceitarem a mesma por 65%. A proposta resultou de um plano apresentado pelo então secretário-geral da ONU Kofi Annan. 12 anos passados o que mudou para haver agora esta esperança num acordo?.A primeira grande diferença é que os esforços têm sido feitos a partir de dentro e não impostos de fora pela ONU ou pela UE. Anastasiades e Akinci defenderam ambos, perante os seus eleitorados, a importância da reunificação. Alguma consonância existe já em relação a temas como a harmonização das leis do Norte de Chipre com a UE, a avaliação das reclamações feitas por pessoas que perderam propriedades depois serem forçadas a fugir e a constituição de um governo federal à semelhança do da Bélgica. Os cipriotas-turcos querem que a presidência do país seja rotativa, algo que o líder cipriota-grego poderia aceitar se conseguisse redesenhar a fronteira entre as duas partes..Theresa May e Alexis Tsipras, líderes britânica e grego, indicaram que irão a Genebra quinta-feira se houver acordo. Recep Tayyip Erdogan, líder turco, ainda não esclareceu o que fará. A Turquia, palco de golpe falhado, alvo de atentados do Estado Islâmico, poderia aumentar o seu potencial de levar gás natural à UE através de Chipre. E a UE, a braços com o brexit, o crescimento dos populismos e o terrorismo, também beneficiaria de um Chipre reunificado num Mediterrâneo extremamente desestabilizado.