Relatório Nunes desencadeia tempestade política em Washington
Trump deixa no ar cenário de afastamento de procurador-geral adjunto. Democratas avisam para crise constitucional.
Um ambiente de tempestade política pesava ontem sobre Washington após a divulgação do relatório do republicano Devin Nunes sobre a atuação do FBI e do Departamento de Justiça na investigação a possíveis ligações da Rússia à campanha de Donald Trump nas eleições presidenciais de novembro de 2016.
Repercussão imediata foi o silêncio de Donald Trump sobre se mantinha confiança no procurador-geral adjunto Rod Rosenstein, que surge no relatório de Nunes como um dos responsáveis do Departamento de Justiça a pedir o prolongamento da investigação ao conselheiro de política externa da campanha de Trump, Carter Page. Quando interrogado neste ponto, Trump deixou no ar uma frase enigmática: "O que é que acham?" Rosenstein, assim como o FBI e os seus antecessores (Sally Yates e Dana Boente), terá omitido informação que Nunes considera relevante e que poderia ter influenciado a decisão do tribunal especial que tem de autorizar investigações como a que está em causa.
O procurador-geral e responsável máximo do Departamento de Justiça, Jeff Sessions, anunciou a sua "determinação em que se chegue à mais total e completa verdade" no caso.
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Também imediata foi a reação dos democratas, da Câmara dos Representantes e do Senado, que escreveram uma carta a Trump, onde se lê que usar o documento elaborado por Nunes como "pretexto" para afastar Rosenstein ou o procurador especial Robert Mueller, que supervisiona a investigação, originaria "uma crise constitucional de proporções nunca vistas" desde a época em que o então presidente Richard Nixon afastou, em outubro de 1973, o procurador especial Archibald Cox, encarregado da investigação ao caso Watergate.
O afastamento de Cox levou às demissões do procurador-geral e do procurador-geral adjunto e à apresentação no Congresso de várias moções a pedir a destituição de Nixon, por obstrução à Justiça. A 8 de agosto de 1974, Nixon apresentou a demissão.
Vozes críticas surgiram também do lado republicano. Adversário de Trump de há longo tempo, o senador John McCain reagiu com violência à publicação do documento, afirmando que "este mais recente ataque ao FBI e do Departamento de Justiça não serve os interesses americanos - nenhum partido, nenhum presidente, só Putin". Para McCain, a Rússia "está a conseguir dividir-nos".
Noutro plano, o diretor do FBI na época em que foi iniciada a investigação, James Comey, reagiu no Twitter à divulgação do trabalho de Nunes, escrevendo - significativamente - "é isto? Relatório desonesto e enganador destruiu a comissão dos Serviços Secretos da Câmara [dos Representantes], demoliu a confiança da comunidade dos serviços de informações, pôs em causa a relação com o tribunal [que aprova estas investigações] e divulgou, de forma escusada, informação confidencial da investigação a cidadão americano. Para quê?". O Departamento da Justiça e o FBI "têm de continuar a fazer o seu trabalho", conclui Comey, demitido pelo presidente em relação com a investigação à possível interferência russa nas presidenciais de 2016.
Segundo o relatório de Nunes, Comey assinou três dos quatro pedidos do FBI ao tribunal que autoriza as investigações. O adjunto assinou uma. Ainda segundo o relatório, no Departamento de Justiça, Rosenstein assinou um pedido e cada um dos seus antecessores assinou os restantes pedidos.
Do lado do visado na investigação do FBI, Carter Page, veio o anúncio que, perante o revelado no texto de Nunes, vai apresentar novas queixas contra o Departamento de Justiça no âmbito do processo que já lhe move. Page elogia o trabalho de Nunes por, finalmente, serem reveladas "algumas das coisas condenáveis feitas contra o Movimento de Trump", ainda que, segundo o ex-conselheiro do então candidato republicano, "de forma parcial".
Page é conhecida desde finais da década de 90 por posições favoráveis à Rússia e, mais recentemente, criticara a política de sanções a figuras dos círculos político e económico de Moscovo seguida pelos EUA e pela União Europeia.