Quando Thatcher ofereceu um dos melhores 'scotch whisky' a Pinochet
Enquanto estava em prisão domiciliária em Surrey (Inglaterra), em 1999, o ex-ditador militar chileno Augusto Pinochet recebeu uma garrafa de um dos melhores whisky de malte de um velho amigo. "O scotch é uma instituição britânica que nunca o dececionará", dizia a nota do remetente - a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher.
O detalhe, revelado esta semana no terceiro volume da biografia "Baroness Thatcher", escrita por Charles Moore, dá uma nova dimensão à estreita relação entre Thatcher e o homem responsável pela morte de mais de 2000 pessoas e pela tortura de muitas outras.
À época, conta o The Guardian, Thatcher ficou horrorizada com o facto de o governo trabalhista, liderado por Tony Blair, ter permitido a prisão de Pinochet enquanto o chileno estava em Londres para tratamento médico, tendo sido anulada a sua imunidade diplomática.
"Não sei quando ou como essa tragédia terminará", disse Thatcher na conferência do Partido Conservador, em 1999, aplaudida calorosamente, "mas continuaremos a lutar pelo tempo que for necessário para que o senador Pinochet regresse com segurança ao seu país. O povo britânico ainda acredita na lealdade aos amigos."
Embora nunca se tenham encontrado no poder, Thatcher ficou impressionada com o sucesso do programa económico neoliberal do Chile e a sangrenta postura de Pinochet contra o comunismo na América Latina. Acima de tudo, sentiu uma "grande dívida por ações secretas [de Pinochet] durante a guerra das Malvinas", segundo Moore.
Durante o conflito, Pinochet instalou um radar militar no sul do Chile para atualizar a inteligência britânica sobre os movimentos da força aérea argentina. Também forneceu passagem segura para as tropas da SAS após uma missão de reconhecimento na Argentina continental.
Mas, para os sobreviventes da ditadura chilena, o relacionamento entre os dois líderes ainda é motivo de raiva. "Uma autoridade britânica apoiar publicamente o ditador mais sangrento da América Latina é violar a memória dos milhares de chilenos que foram mortos, presos e torturados sob a ditadura", disse Alicia Lira, presidente da Associação de Parentes dos Executados. "As suas palavras foram uma ofensa ao povo chileno,"
Segundo a comissão de verdade e reconciliação do Chile, 2.279 pessoas foram assassinadas pelo regime militar de Pinochet e outras 27.255 foram torturadas entre 1973 e 1990.
Graças à pressão pública de figuras como Lira, cujo marido foi morto pelos militares em 1982, ex-membros do regime continuam a ser julgados. Na quarta-feira, os tribunais chilenos sentenciaram um dos ex-guarda-costas de Pinochet, Cristián Labbé, a três anos de prisão pela tortura de 1973 de um preso político.