Puigdemont vs. Rajoy: a caminho do round 155
O combate que começou em 2006 quando o então líder da oposição espanhola, Mariano Rajoy, recolheu assinaturas para pedir a declaração de inconstitucionalidade do Estatuto da Catalunha (o que viria a suceder parcialmente em 2010, reacendendo os ânimos independentistas) aproxima-se do round 155. Isto é, do artigo 155.º da Constituição espanhola. Depois de não responder diretamente ao ultimato do agora primeiro-ministro, o presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, tem até quinta-feira para recuar na declaração de independência da Catalunha, sob ameaça de Madrid recorrer a esse artigo. O que, para o líder catalão, equivale a suspender a autonomia.
"A prioridade do meu governo é procurar intensamente a via do diálogo. Queremos falar, como fazem as democracias consolidadas, sobre o problema que coloca a maioria do povo catalão que quer empreender o seu caminho como país independente no marco europeu", escreveu Puigdemont em resposta ao ultimato feito no dia 11 por Rajoy. Na véspera, o líder da Generalitat tinha ido ao Parlamento catalão aceitar o mandato expresso no referendo de 1 de outubro, pedindo contudo uma suspensão da independência para poder dialogar com Madrid.
Faltava uma hora e meia para o fim do prazo dado por Rajoy, quando foi conhecida a carta em que Puigdemont lhe pedia duas coisas: o fim da repressão contra o povo e o governo da Catalunha e a marcação de uma reunião. "Não deixemos que se deteriore mais a situação", escreveu, dizendo que a sua proposta de diálogo "durante os próximos dois meses" com todos os que desejem ajudar na negociação é "sincera e honesta". Puigdemont disse ainda que ficou "surpreendido" por Rajoy ter respondido aos anteriores pedidos de diálogo com a "vontade" de usar o artigo 155.º.
"Se uma comunidade autónoma não cumprir as obrigações impostas pela Constituição ou outras leis, ou atuar de forma que atente gravemente contra o interesse geral de Espanha, o governo, após solicitação ao presidente da comunidade autónoma e, no caso de não obter resposta, com a aprovação por maioria absoluta do Senado, poderá adotar as medidas necessárias para obrigar aquela ao cumprimento forçoso das ditas obrigações ou a proteção do mencionado interesse geral", diz o artigo, nunca antes usado em 40 anos de democracia em Espanha. Por isso também não é claro aquilo que pode implicar.
O primeiro-ministro respondeu a Puigdemont também através de carta, explicando que o artigo 155.º "não implica a suspensão do autogoverno, mas a restauração da legalidade na autonomia". Lamentando que o líder catalão não tenha dito "com clareza" se declarara ou não a independência, Rajoy indicou que os apelos ao diálogo "não são credíveis". Tudo porque Puigdemont "recusa falar" com a própria oposição catalã - ainda ontem, Junts pel Sí e Candidatura de Unidade Popular (CUP), que têm a maioria no Parlamento catalão, suspenderam as sessões plenárias previstas para quinta e sexta-feira. Ainda assim, Rajoy lembrou que foi criado um espaço de diálogo no Congresso espanhol.
"Ainda tem margem para responder de forma clara e simples ao pedido que lhe fiz na quarta-feira", indicou Rajoy no final da carta para Puigdemont. "Continua nas suas mãos abrir um novo período de normalidade e lealdade institucional que todo o mundo está a pedir. Caso contrário, será você o único responsável pela aplicação da Constituição", acrescentou. Segundo a TV3 (televisão catalã), Puigdemont não vai responder ao ultimato. Contudo, de acordo com o La Vanguardia, decidirá hoje "se responde e como" durante a reunião semanal com os seus conselheiros.
O líder do governo espanhol conta com o apoio dos socialistas. "Perguntamo-nos se o senhor Puigdemont deixa outra saída com a sua atitude que não seja a aplicação do artigo 155.º", indicou o porta-voz da comissão executiva do PSOE, Óscar Puente, crítico da missiva do presidente da Generalitat. O secretário--geral socialista, Pedro Sánchez, falou ontem de manhã com Rajoy, após ter conhecimento da resposta de Puigdemont. "O diálogo é fácil e possível, basta que regresse à legalidade, coisa que não fez. Basta ir ao Congresso espanhol e sentar-se na comissão de reforma constitucional para abrir um diálogo", disse Puente. Esta comissão foi proposta pelo PSOE e aceite pelo Partido Popular.
O Podemos, que defende um referendo negociado e legal na Catalunha, acusa PSOE e PP de estarem aliados para aplicar o artigo 155.º, independentemente da resposta de Puigdemont. Já o líder do Ciudadanos, Albert Rivera, que falou ao telefone com Rajoy, é a favor de usar a chamada "bomba atómica". Mas Rivera explicou que o governo ainda não especificou que medidas concretas irá implementar.