Puigdemont sob pressão ouve negativa de Juncker

Líder da Generalitat passou dia em reuniões a preparar resposta ao ultimato de Rajoy. Presidente da Comissão Europeia recusa independência que criaria mais caos na UE
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Em contagem decrescente para o fim do prazo do ultimato dado por Madrid, o presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, não recebeu ontem boas notícias. Face à pressão dos aliados para que avance com o processo de independência e esqueça a sua suspensão, o líder do governo catalão ouviu também o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, recusar a ideia de uma Catalunha independente. Tudo por causa do risco de acabar com uma União Europeia a 98.

"Se permitirmos, e não é um assunto nosso, que Catalunha seja independente, outros farão o mesmo. E eu não quero isso", disse Juncker num discurso na Universidade do Luxemburgo. "Não gostaria de ver uma União Europeia que em 15 anos seja composta por uns 98 países. Já é relativamente complicado com 28 e com 27 não será fácil [referência ao brexit], mas com 98 seria simplesmente impossível."

Em relação aos pedidos do governo catalão de haver um mediador para o diálogo com Madrid, o presidente da Comissão Europeia diz que se ele ou o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, "se envolvessem com só um dos lados a pedir mediação, isso causaria rejeição na União Europeia". As declarações de Juncker foram feitas em alemão, com o presidente da Comissão Europeia a dizer, com sarcasmo segundo o La Vanguardia, que era para que "ninguém na Catalunha o entendesse".

Juncker nunca se encontrou com Puigdemont, apesar de já o ter feito com outros líderes autonómicos espanhóis. Em maio de 2016 alegou "problemas de agenda" para recusar um encontro e em janeiro, quando esteve em Bruxelas, o presidente da Generalitat não pediu uma reunião. O líder da Comissão vai contudo encontrar-se, na quinta-feira, com o secretário-geral dos socialistas, Pedro Sánchez. A Catalunha deverá fazer parte da agenda.

O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, deu até às 10.00 (09.00 em Lisboa) de segunda-feira para que Puigdemont confirme se declarou ou não a independência no Parlamento. Caso o tenha feito (e a ausência de resposta é assumida como um "sim"), então o governo catalão tem até quinta-feira, à mesma hora, para voltar ao princípio da legalidade. Se o ultimato for ignorado, Rajoy acionará o artigo 155.º da Constituição, que prevê a intervenção do Estado na autonomia - em contornos que não são totalmente claros, visto tal nunca ter acontecido em 40 anos de democracia.

Diálogo só no Congresso

No mesmo discurso, na quarta-feira, depois de ter assumido o mandato dado pelos catalães no referendo de 1 de outubro (ilegalizado pelo Tribunal Constitucional), Puigdemont indicou que pedia a suspensão da aplicação da independência para dialogar com Madrid. Contudo, o governo espanhol alega que a única forma de o fazer é dentro da "normalidade institucional" no Congresso dos Deputados. Numa conferência de imprensa depois do Conselho de Ministros, a número dois do governo, Soraya Sáenz de Santamaría, disse que a única via de diálogo é através do debate na comissão para estudar uma mudança constitucional em relação às autonomias proposta pelos socialistas.

Depois do desagrado com Puigdemont por este ter "perdido uma oportunidade" de declarar a independência no Parlamento, a Candidatura de Unidade Popular (CUP) enviou ontem uma carta ao presidente da Generalitat a defender a necessidade de "proclamar a República" dando por terminada "a esperança na mediação internacional". Os independentistas anticapitalistas, cujo apoio é essencial para o governo catalão, entendem que "a resposta ao requerimento de Rajoy não está nos termos do mandato popular" que Puigdemont assumiu, de "respeito ao exercício do direito à autodeterminação". Por isso pressionam o presidente da Generalitat a avançar no processo, explicando que só assim a Catalunha será capaz de se situar como "um ator disposto a proteger os direitos civis e políticos da população ameaçada".

Antes, já a Assembleia Nacional Catalã tinha enviado outra carta, aos seus militantes, indicando que segunda-feira será "um dia decisivo", mas dando como certo que Rajoy vai aplicar o artigo 155.º e "muito provavelmente dinamitar as instituições da Generalitat para pô-las sob o seu controlo". Por isso, e face à negativa do governo espanhol em negociar, pedia ao Parlamento catalão que levantasse a suspensão de declaração de independência. Outra organização da sociedade civil, a Òmnium Cultural também indicou que a suspensão não pode ser por tempo indeterminado.

Já a Esquerda Republicana da Catalunha, do vice-presidente da Generalitat Oriol Junqueras, defende que Puigdemont "deve deixar claro que a independência está declarada e assinada e insistir que a vontade é dar uma oportunidade ao diálogo". Já o líder do Partido Democrata Europeu Catalão (PdeCat), Artur Mas, optou por pedir "prudência" numa entrevista à TV3. O ex-presidente da Generalitat lembrou que nem a CUP nem a ANC estão à frente do governo e que um estado só é independente quando tem reconhecimento internacional. Contudo, deixou claro: "Se o que pretendem é uma rendição humilhante e embaraçosa, não a terão."

O chefe do governo catalão esteve ontem no Palácio da Generalitat reunido com vários membros do governo, da coligação Junts pel Sí e dos aliados, a estudar a resposta ao ultimato de Rajoy. Consultas que provavelmente deverão continuar durante o fim de semana. A única notícia positiva para Puigdemont veio da Eslovénia, onde as comissões de Negócios Estrangeiros e de Assuntos Europeus do Parlamento aprovaram uma resolução a favor da autodeterminação (afinal este país conseguiu a independência de Belgrado também após um referendo e uma declaração de independência suspensa) e do diálogo.

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