Lula da Silva foi condenado em primeira, segunda e terceira instâncias pela posse de um apartamento tríplex no Guarujá e preso pelo juiz Sergio Moro, em abril de 2018, a seis meses das eleições cujas sondagens liderava. Viu o sucessor, Fernando Haddad, perder para o representante da extrema-direita Jair Bolsonaro à segunda volta. E soube da morte de um dos melhores amigos, o advogado Sigmaringa Seixas, do irmão mais velho, Vavá, e do neto de sete anos, Arthur, confinado à cela da superintendência de Curitiba, onde está detido há exatos 500 dias. A partir de junho deste ano, no entanto, a maré virou a favor do presidente do Brasil de 2003 a 2010..Foi nesse mês que o site The Intercept Brasil começou a divulgar reportagens - mais tarde em colaboração também com o jornal Folha de S. Paulo, a revista Veja e a edição brasileira do espanhol El País - a denunciar a parcialidade de Moro, entretanto nomeado ministro da justiça por Bolsonaro, na condução do processo que o condenou por corrupção. Reportagens que vêm demonstrando, a conta gotas na imprensa, ainda atos ilícitos ou reprováveis da equipa de procuradores da Lava Jato, nomeadamente do seu chefe Deltan Dallagnol..De um momento para o outro, a tese de Lula de que houve uma conspiração para derrubar a sua sucessora na presidência Dilma Rousseff, primeiro, e prendê-lo, depois, de maneira a impedi-lo de se candidatar ao Palácio do Planalto, passou a ser tida em conta. Moro, cujos poderes no ministério da justiça, vêm sendo esvaziados por Bolsonaro, sofre ainda derrotas no Congresso e no Supremo Tribunal Federal uma delas com relação direta a Lula: por dez votos a um, os juízes da mais alta corte do Brasil optaram por vetar a decisão de transferir o político do PT para uma prisão comum, em Tremembé, no estado de São Paulo..Pelo meio, o antigo presidente vem sendo autorizado a conceder entrevistas, onde se reafirma inocente, critica, às vezes com sarcasmo, a atuação do presidente Bolsonaro, e assegura que não quer progredir para o regime semi-domiciliar sem ser antes plenamente inocentado. "Ele faz questão de enfrentar tudo para provar a sua inocência, que é uma forma mais de seguir os conselhos da [mãe] Dona Lindu, de jamais abaixar a cabeça", escreveu no site de esquerda Brasil 247 o sociólogo Emir Sader, após mais uma visita à prisão para ver o amigo.."De vez em quando sai uma nota na internet de quem quer ganhar espaço, de que o Lula vai sair agora ou em setembro, mas ele não se cansa de dizer, para quem quer escuta-lo, que só sai totalmente inocente, sem condicionante alguma. Está pedindo que deixem de dizer essas coisas, que são falta de respeito com ele e sua palavra", continua o académico..Segundo as entrevistas do antigo presidente, logo que sair "quer fazer política, muita política"..Os 500 dias de prisão vão ser assinalados pela Frente Brasil Popular com ato político e cultural de repúdio à detenção. "É um número que machuca e ofende. Mas que chama para a resistência. 500 são os cinco séculos que o país passou sob o domínio da elite nacional. Como nos ensinou o sociólogo Florestan Fernandes, essa elite é antinacional, antipopular, escravista, racista e patrimonialista. Nunca aceitou as medidas económicas e sociais em favor da população pobre. E por isso querem manter Lula preso a todo custo", disse a convocação do grupo.."Mas, dos faixaços às manifestações de apoio, das ações dos Comités Lula Livre às panfletagens de conscientização da população, das denúncias da 'Vaza Jato' às visitas de líderes e escritores internacionais que Lula recebe na sua prisão injusta a sociedade civil reage e a prisão torna-se a cada dia mais absurda", continua o texto..Estes alentos recentes não impedem que Lula tenha passado nestes 500 dias por algumas das horas mais difíceis da sua vida na sala de 15 m², com armário, mesa, quatro cadeiras, passadeira de corrida e um aparelho de televisão com acesso aos canais abertos..Além da derrota de Haddad, no campo pessoal custou-lhe saber da morte do amigo Sigmaringa Seixas, deputado pelo PT, e do falecimento do irmão mais velho, Genival, conhecido como Vavá. Mas foi, como contou reportagem do jornal Folha de S. Paulo, a morte do neto de sete anos Arthur, em consequência de uma infeção generalizada e não de meningite, como chegou a ser divulgado pelo hospital, que quase o derrubou..Visitas às quintas-feiras.O dia a dia de Lula é o mesmo desde aquele 7 de abril de 2018 em que o país - e o mundo - parou para o ver discursar pela última vez em público e depois ser levado para a prisão: reúne com advogados, uma hora de manhã e outra à tarde, alguns deles filiados ao PT, pelo quais se informa de tudo o que vai acontecendo no seu partido - determinou nos últimos dias que Gleisi Hoffmann, controversa líder do PT, se mantenha no cargo mais um mandato, frustrando as alas que achavam que devia passar o comando a Haddad..Às quintas-feiras recebe familiares e amigos e três vezes por semana pode circular num espaço de 40 m² para banhos de sol. A juíza Carolina Lebbos, que tutela a região e que determinou, sem sucesso, a sua transferência para Tremembê, conhecida por ser a prisão dos autores dos crimes mais mediaticos do Brasil, proibiu os encontros religiosos que o antigo presidente manteve nos primeiros meses após a detenção com padres, pastores evangélicos, umbandistas e membros de outras fés..Lula acorda invariavelmente às 7.00, ao som do "bom dia presidente Lula", gritado da vigília de militantes acampada perto da prisão, veste-se com camisas do PT ou do clube do coração, o Corinthians, e toma medicação própria para um pré-diabético, sem, porém, ter restrições alimentares, além do controle nos doces. Antes da detenção, Lula, que passou por um tratamento contra um cancro na laringe, já havia deixado de fumar e começado a realizar exercícios diários, hábito que mantém, com a ajuda dos agentes na correção dos movimentos..Os amigos, conta ainda a Folha, negam sintomas de depressão. "Depressão não, apenas raiva", afirmam. Por isso o seu livro de cabeceira é "A Virtude da Raiva", escrito por Arun Ghandi, neto do líder pacifista indiano. Raiva, sobretudo, do juiz que o condenou. Do ponto de vista sentimental, o processo parece estar a frutificar: foi noticiado, após inconfidência de um amigo, que Lula pensa casar-se em breve com Rosângela Silva, amiga há mais de dez anos com quem se reaproximou durante a caravana de pré-campanha, em 2017, meses antes de ser preso.