Presidente do Parlamento catalão espiado com tecnologia que só governos usam
O telemóvel do presidente do Parlamento da Catalunha foi, supostamente, vigiado por tecnologia israelita que apenas os governos podem adquirir indica uma investigação jornalística conjunta do jornal espanhol El Pais e o britânico The Guardian.
De acordo com a investigação, um instituto de cibersegurança do Canadá que investigou falhas na aplicação digital WhatsApp descobriu que o telefone móvel de Roger Torrent, presidente do Parlamento da Região Autónoma da Catalunha, foi espiado.
Os jornais El Pais e The Guardian indicam igualmente que "uma centena de personalidades" da sociedade civil de todo o mundo foram igualmente alvo do "mesmo ataque".
A notícia refere em concreto que o telemóvel do presidente do Parlamento da Catalunha, Roger Torrent, foi alvo do sistema operativo 'Pegasus', um programa de vigilância e espionagem desenvolvido pela companhia israelita NSO que só pode ser adquirido por governos, forças ou corpos de segurança de Estado no combate ao crime organizado.
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A intrusão no telefone do dirigente independentista catalão aconteceu na sequência de uma falha de segurança na aplicação WhatsApp e que permitiu à NSO - entre abril e maio de 2019 - introduzir um programa de vigilância em pelo menos 1.400 terminais em todo o mundo.
A empresa WhatsApp facilitou aos investigadores canadianos do grupo Citizen Lab os números que "foram assaltados" pelo programa espião desenvolvido em Israel, entre os quais de encontrava o número de Torrent.
O grupo Citizen Lab foi o primeiro organismo a denunciar a existência do programa 'Pegasus" da NSO.
O El Pais e o The Guardian referem que tiveram acesso a um documento emitido pelo Citizen Lab que "acredita" no ato de espionagem ao telefone que pertence a Roger Torrent.
O programa 'Pegasus', permite escutar conversas, ler mensagens, aceder ao disco duro e fazer capturas de ecrã assim como aceder ao histórico de navegação de portais de Internet e ativar o controlo remoto da câmara e do microfone dos dispositivos.
"O governo (espanhol) não tem conhecimento de que o presidente do Parlamento da Catalunha, Roger Torrent, tenha sido alvo de 'hackers' (piratas informáticos)" disse um porta-voz do executivo de Madrid aos dois jornais frisando que a intervenção às comunicações só é possível através de uma ordem judicial.
A investigação dos dois jornais refere que um porta-voz dos serviços de informações do Estado espanhol (CNI) "atua sempre em plena submissão ao ordenamento jurídico e com absoluto respeito pela legalidade vigente".
O mesmo porta-voz recordou que as ações do CNI estão sob a supervisão de um magistrado do Tribunal Supremo.
O El Pais e o The Guardian escrevem ainda que tentaram sem êxito obter uma resposta da Guardia Civil, Polícia Nacional e do Ministério do Interior.
"Impróprio de um Estado democrático"
Numa primeira reação, o independentista Roger Torrent, disse que a alegada escuta do seu telemóvel é "impróprio de um Estado democrático" (Espanha) e anunciou que vai avançar com ações legais.
O presidente do parlamento catalão exigiu ao Governo espanhol que "investigasse e se apurassem responsabilidades", numa declaração institucional feita a partir do seu gabinete.
Torrent considerou ainda que este assunto é "muito sério" e que serve para confirmar que no Estado espanhol se pratica "espionagem contra dissidentes políticos".
A Catalunha tem um forte movimento independentista que desde 2015 tem uma maioria no parlamento regional e é responsável pelo Governo da comunidade autónoma.
Uma tentativa unilateral para organizar um referendo sobre a autodeterminação da região, em 2017, foi considerada ilegal pela Justiça espanhola e os principais responsáveis pela iniciativa foram julgados em Madrid a penas de prisão que ainda estão a cumprir.
Os separatistas aproveitam todas as oportunidades para atacar o Estado central, em Madrid, e consideram que os detidos nesse processo são "presos políticos".
Puigdemont: "Não pode ficar impune"
O ex-presidente do governo autónomo da Catalunha, Carles Puigdemont, pediu para que o "escândalo" sobre a alegada espionagem ao telemóvel do presidente do Parlamento de Barcelona não fique "impune".
"Há muito tempo que o Estado espanhol não respeita o Estado de Direito. O problema é que nem com provas tão irrefutáveis é possível investigar a fundo para que sejam dirimidas responsabilidades. É um escândalo que não pode ficar impune. Toda a solidariedade com Roger Torrent", escreveu Puigdemont numa mensagem difundida pela rede social Twitter.
Puigdemont, que vive na Bélgica, é alvo de um pedido de extradição das autoridades judiciais espanholas.