Já se percebeu que o establishment republicano não aprecia Trump e está assustado com os resultados exibidos nas primárias. Mas ao contrário de figuras que conquistaram a nomeação (republicana ou democrata) mas com uma ideologia tão extrema que afugentaram o centro, esse não é o problema com o magnata..Donald Trump incomoda tanto a liderança do Partido Republicano porquê? As bases até estão com ele..Jeb Bush era o claro favorito do chamado establishment republicano. Filho de um presidente e irmão de outro, tinha a favor a experiência como governador da Florida e um discurso que não ofendia a ala conservadora. Como trunfos ainda, a sua mulher mexicana e a fluência em espanhol, vantagens na hora de atrair o eleitorado hispânico. Ora, com Bush fora, Ted Cruz ou Marco Rubio passaram a ser as opções, quase um tudo menos Trump, magnata que até já foi do Partido Democrata, um político sem lealdades conhecidas e ainda por cima senhor de uma retórica que deixa mal a América. Que nas primárias Trump tenha vindo a acumular bons resultados está a ser uma dor de cabeça para o tal establishment . Mas não admirará que alguns dos críticos se sintam tentados a saltar para o cavalo vencedor, ignorando os defeitos do candidato e preferindo dourar as qualidades..Já há casos desses apoios surpreendentes a Trump?.O exemplo mais notório é o de Chris Christie, governador de New Jersey, que desistiu das primárias depois dos péssimos resultados no Iowa e no New Hampshire e agora está com Trump. Mas pelo menos um outro governador, um senador e alguns outros congressistas também se manifestaram a favor..E há alguma figura republicana de peso que tenha ameaçado votar no candidato democrata se Trump for a escolha do partido?.Christie Todd Whitman, que fez parte da Administração de Bush filho e foi governadora de New Jersey, já disse que Trump nem pensar. E deixou em aberto a hipótese de votar em Hillary Clinton se esta derrotar Bernie Sanders nas primárias democratas..Há outros exemplos de candidatos que tenham dividido assim os partidos?.Basta pensarmos nas eleições do pós-Segunda Guerra Mundial para encontrar dois bons exemplos: o republicano Barry Goldwater em 1964 e o democrata George McGovern em 1972..O que aconteceu as essas duas figuras?.Bem, no caso de Goldwater, a nomeação como candidato representou uma vitória absoluta do campo conservador sobre os chamados liberais republicanos, chefiados por Nelson Rockfeller. E nas primárias tudo ficou decidido quando na Califórnia Goldwater bateu Rockfeller. Contrário à intervenção do governo federal na questão dos direitos cívicos e favorável à dureza com a União Soviética, Goldwater sofreu depois uma derrota humilhante em novembro de 1964, ganhando apenas no seu Arizona natal e em cinco estados do Sul que voltavam costas aos democratas por causa da questão racial. Também se pode dizer que o democrata Lyndon Johnson tinha a favor o impacto emocional do assassínio de John Kennedy um ano antes, mas foi sobretudo a retórica de Goldwater que fez o Partido Republicano ser rejeitado pelo eleitorado centrista..E no caso de McGovern?.Senador pelo Dakota do Sul, McGovern tinha-se assumido como um dos campeões contra a Guerra do Vietname. E entrou nas primárias democratas de 1972 com poucas possibilidades de sucesso. Mas cedo o favorito Edmund Muskie perdeu gás e foi Hubert Humphrey que se assumiu como o pretendente à nomeação, tentando repetir a candidatura de 1968. Contudo, Humphrey, que tinha sido vice-presidente de Johnson, era detestado pelos jovens e pelas elites liberais, que o associavam à guerra. E foram esses jovens e essas elites que acabaram por tornar McGovern num improvável vencedor das primárias democratas, apesar dos esforços de última hora na convenção partidária, com um grupo a mexer-se numa lógica de qualquer coisa menos McGovern. Em novembro, derrota esmagadora perante Nixon, reeleito com vitórias em todos os estados menos o Massachusetts. Mesmo que seja preciso ter em conta que o escândalo Watergate estava ainda por explodir e que Nixon beneficiava do sucesso da visita à China, McGovern viu boa parte do eleitorado democrata virar costas ao seu esquerdismo quase comparável ao de Sanders..Quer isto dizer que Trump é uma ameaça para os republicanos porque pode afugentar os centristas?.Não, e esse é o ponto curioso. A comparação com Goldwater e McGovern faria sentido no caso de Sanders, por ser um candidato que foge à regra de os dois partidos procurarem o candidato capaz de captar (quase) toda a gente. Mas Trump é inclassificável do ponto de vista ideológico. Já falou a favor do aborto e contra, prometeu bombardear o Estado Islâmico mas é complacente com a ambição nuclear norte-coreana, ataca os mexicanos porém elogia os negros. Sendo nova-iorquino, e tendo em conta o passado familiar e profissional, é provável que esteja mais ao centro do que Cruz, e daí o apoio de Christie..Isso significa tirar apoios aos democratas?.Talvez. Os chamados colarinhos azuis de estados como o Ohio ou a Pensilvânia mostram alguma atração pelas ideias de Trump, o homem que promete fazer crescer a economia tal como fez crescer a sua fortuna pessoal. A dúvida é se ganhará ao campo democrata mais eleitores do que aqueles, entre os republicanos, que se recusarão a votar nele..E se Trump falhar a nomeação e avançar sozinho?.Esse é o pesadelo dos republicanos. E antes de as primárias começarem, Trump fez a ameaça.