Populistas estão a perder terreno na Europa? Sim, mas...

Marine Le Pen ou Geert Wilders perderam eleições, mas conseguiram marcar a agenda política. Ligação a Trump pode ser prejudicial

Facto: em 2016, a vitória do brexit, uma das bandeiras do UKIP de Nigel Farage, e a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos deram um novo ânimo aos populistas, nomeadamente os de extrema-direita. Facto: em 2017, as sondagens indicavam que o holandês Geert Wilders e a francesa Marine Le Pen poderiam ter bons resultados ou mesmo ganhar nas legislativas e presidenciais dos seus países, deixando a Europa em suspenso, o que acabou por não acontecer. Será isto querer dizer que os populistas, depois de um fôlego inicial, estão a perder terreno e influência na Europa? Os especialistas dizem que sim, mas estão longe de serem uns derrotados.

"Claro, eles podem não ter ganho as eleições como alguns desejavam/temiam, mas mesmo assim estabeleceram uma presença bastante significativa na paisagem política. No que diz respeito ao Reino Unido e ao UKIP, vemos uma destruição clara. Mas, mais uma vez, estamos a assistir a uma espécie de crescimento do populismo à esquerda com Corbyn", explicou ao DN Emmy Eklundh, professora no King"s College de Londres e uma das especialistas em populismo da Political Studies Association.

Charles Hanklam, professor associado de Ciência Política da Georgia State University, refere que os resultados das legislativas da Holanda em março e das presidenciais francesas de abril/maio, "após os choques de Trump e do brexit", abriram realmente a discussão sobre se "o populismo terá atingido o seu pico na Europa". "Alguns especularam que o horror destes dois resultados populistas levaram muitos eleitores franceses a virar-se para Macron ou a optar por um voto de protesto contra Le Pen. Outros viram estes resultados anti-populistas como a prova que muitos na Europa, não querendo experienciar um Trump ou um brexit nos seus países, se afastaram do abismo populista", referiu este especialista em populismo ao DN.

Na Holanda, Geert Wilders e o seu PVV lideraram as sondagens para as legislativas de 15 de março durante meses, deixando a Europa em suspenso, receando que o populista de extrema-direita chegasse ao poder e pudesse cumprir promessas como a saída da Holanda da União Europeia.

Depois dos votos contados, o primeiro-ministro Mark Rutte, do centro-direita VVD, acabou por sair vencedor com 21,3% dos votos, seguido por Wilders, com 13,1%. À boa maneira holandesa, ainda estão a decorrer as negociações para conseguir formar uma coligação governamental, mas para as quais Wilders não tem sido convidado - o recorde de tempo na Holanda para formar um governo data de 1977 e é de 208 dias.

"Ainda é muito difícil penetrar no eleitorado dos partidos políticos tradicionais, o que eu acredito que foi o caso da Holanda. Lá, podemos ver que a estabilidade está em vantagem por enquanto. Mas mais uma vez, não podemos subestimar a influência que estes partidos tiveram nas propostas políticas dos partidos tradicionais", sublinha Emmy Eklundh. "Em França, em particular, a retórica de Le Pen alastrou-se a muita da direita em geral e agora é um lugar comum".

No caso da Holanda, o discurso de um Geert Wilders em vantagem nas sondagens obrigou Mark Rutte a posicionar-se ainda mais à direita em questões como a imigração. E que teve o seu ponto alto no final de janeiro quando, através de uma mensagem de página inteira divulgada na imprensa, Rutte convidou a abandonar o país todos aqueles "que não estejam de acordo com os valores holandeses". "Comportem-se normalmente ou vão-se embora", dizia ainda a mensagem, uma clara tentativa de conquistar o eleitorado anti-imigração.

O mesmo aconteceu entre Marine Le Pen e Emmanuel Macron nas presidenciais francesas e até com o UKIP no Reino Unido, que acaba por ser um caso diferente no cenário do populismo de extrema-direita na Europa - após a vitória do brexit começou a perder peso em termos de intenções de votos, tendo mesmo falhado a eleição de qualquer deputado nas legislativas antecipadas de 8 de junho.

"Penso que o UKIP é o a que muitos chamam o paradoxo do sucesso. O partido tem sido bem sucedido no que diz respeito a influenciar a agenda política do país - o melhor exemplo é o brexit -, mas ao mesmo tempo tem sido extremamente mal sucedido em termos eleitorais e isso irá tornar-se ainda mais claro", sublinha ao DN Cristóbal Rovira Kaltwasser, professor na Escola de Ciências Políticas na Universidade Diego Portales (Chile) e coautor do livro Populismo, uma brevíssima introdução. "Estamos a ver que os conservadores adotaram muitas das exigências do UKIP e já estão quase numa versão light do UKIP. Como tal, o espaço eleitoral do UKIP encolheu. Mas também é importante o facto de Farage já não ser o líder, muito do apoio do partido estava ligado a ele", acrescenta ao DN a professora do King"s College.

No mesmo de tudo isto há ainda a ter em conta a influência vinda do outro lado do Atlântico, com a chegada de Donald Trump à Casa Branca, e as suas ligações aos populistas da extrema-direita europeia. Nigel Farage, do UKIP, participou num evento de campanha do republicano em agosto, e já depois da tomada de posse de Trump, o britânico jantou pelo menos uma vez com o norte-americano em Washington.

Antes da primeira volta das presidenciais francesas, Trump fez também questão de dizer publicamente que Marine Le Pen era a candidata "mais forte", um elogio em resposta a uma entrevista dada em novembro pela francesa e na qual ela tecia largos elogios ao americano. Pelo meio, os dois encontraram-se em janeiro na Trump Tower, em Nova Iorque.

"Penso que a ligação entre Trump e as figuras populistas na Europa tem tido um impacto negativo nestes segundos. Vejamos, por exemplo, o que aconteceu em França na segunda volta das eleições presidenciais. Macron ganhou com 60% dos votos, para mim isso não quer dizer que 60% dos eleitores adoram o Macron, penso que diz que pelo menos 60% das pessoas em França tinha muito medo de Marine Le Pen e por isso votaram em Macron porque odeiam, ou têm uma imagem negativa, de Marine Le Pen. Penso que parte dessa identificação negativa ganhou força com Donald Trump. Quando muitas pessoas na Europa veem e pensam se isto é o que a extrema-direita quer, fazer o que Trump anda a implementar nos Estados Unidos e que é muito assustador, e isto tem prejudicado a imagem de Marine Le Pen, Nigel Farage e outro atores, como Geert Wilders na Holanda", defende o politólogo chileno.

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