39 cadáveres encontrados em camião. Motorista detido
Um total de 39 corpos foram descobertos no interior de um camião em Essex, Inglaterra. A polícia inglesa está a investigar como homicídio e deteve o condutor do veículo, um homem de 25 anos oriundo da Irlanda do Norte.
A polícia de Essex foi chamada para o Parque Industrial Waterglade, em Grays, por volta das 01h40 de quarta-feira e descobriu os corpos no veículo. As informações disponíveis indicam que são 38 adultos e um adolescente, muito provavelmente imigrantes que procuravam entrar de forma ilegal no Reino Unido.
Segundo os media britânicos, que citam fontes policiais, o condutor detido será Mo Robinson, de Portadown. A foto do suspeito está a ser também partilhada pelos media locais, tendo sido retirada do Facebook, onde surgem várias fotos do camião onde foram encontradas as vítimas.
As primeiras notícias, confirmadas pela polícia davam conta de que o camião chegara da Bulgária e entrara no país via Holyhead (País de Gales), no sábado. Mas as últimas informações divulgadas pelas autoridades policiais são diferentes: o atrelado terá vindo de Zeebrugge, na Bélgica, e entrado no Reino Unido através do porto de Purfleet, no Leste de Inglaterra, enquanto a cabine partiu da Irlanda do Norte. A chegada do camião ao parque industrial foi captada pelas câmaras de segurança.
O porta-voz da procuradoria belga anunciou entretanto que uma investigação foi aberta para tentar ver como o camião chegou ao porto de Zeebrugge. "Não temos ideia, neste momento, de quanto tempo o camião passou na Bélgica. Podem ser horas ou dias, não sabemos", afirmou Eric Van Duyse, citado pela BBC.
O superintendente Andrew Mariner disse que estão a tentar identificar as vítimas, mas antecipou que pode ser um "processo demorado". "Detivemos o motorista do camião. Permanece sob custódia policial enquanto as investigações continuam", acrescentou.
Pelas 17.00, a polícia informou que se preparava para mover o camião para outra localização. "A cabine e o atrelado vão ser movidos para uma localização segura nas docas de Tilbury, para que os corpos possam ser recuperados enquanto se preserva a dignidade das vítimas", segundo um comunicado da polícia de Essex.
Paige Wade seguia de carro para casa, após sair do trabalho por volta das 04h15, e viu a polícia isolar uma entrada do local na Eastern Avenue."Sabia que era sério por causa de muitos carros e ambulâncias que estavam lá, mas a polícia tinha estacionado veículos em todo o acesso da estrada para que se não pudesse ver nada", contou à Sky News.
Seamus Leheny, dirigente de uma associação de transportes da Irlanda do Norte, disse à Press Association: "Se o camião veio da Bulgária, entrar na Grã-Bretanha via Holyhead é uma rota alternativa. As pessoas têm dito que a segurança e as verificações aumentaram em lugares como Dover e Calais, por isso pode ser visto como uma maneira mais fácil de entrar pela estrada de Dublin. É um longo caminho e adiciona um dia extra à jornada", disse, citado pela BBC.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Bulgária disse que "não tinha informações" sobre o incidente antes dos relatos da imprensa britânica. Afirmou ao jornal búlgaro Dnevnik: "A nossa embaixada está em contacto com as autoridades locais e está a seguir o caso".
O primeiro-ministro Boyko Borissov veio entretanto garantir que os ocupantes do camião não podiam ter embarcado na Bulgária uma vez que o veículo não deu entrada no país desde que ali foi registado em 2017. Em declarações ao canal de televisão privado BTV, Borissov garantiu: "O camião foi registado em 2017 na Bulgária por uma mulher irlandesa. Saiu depois do país e nunca voltou a entrar. Por isso não há forma de estarmos ligados a este caso, exceto no que se refere às placas de matrícula."
Em conferência de imprensa, às 11.30, a polícia britânica deu conta que as 39 pessoas estavam já mortas quando foram encontradas. Pippa Mills, chefe-adjunta, explicou que até ao momento ainda não foi possível identificar nenhuma das vítimas, nem a sua origem. Adiantou que o motorista que conduzia o camião permanece detido.
"A identificação das vítimas continua a ser a nossa prioridade número um", afirmou Pippa Mills, que também solicitou que se alguém tiver informações sobre o camião, e o seu trajeto desde 21 de outubro, deve comunicar com a polícia. A responsável antecipou que a investigação pode ser "longa".
A polícia búlgara já foi informada e irá também colaborar nas investigações. O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Bulgária disse que, apesar de os corpos ainda não terem sido identificados, a polícia britânica informou que é "altamente improvável" que sejam búlgaros.
Richard Burnett, presidente da Associação do Transporte Rodoviário de Mercadorias (RHA, na sigla em inglês), afirmou à imprensa britânica que tudo indica que se trata de um camião frigorifíco. Descreveu as condições do interior do camião como sendo "horríveis" para qualquer pessoa.
Neste tipo de camiões as temperaturas podem chegar aos 25 graus negativo se estiverem a transportar produtos congelados, condições que fazem com que os seres humanos "percam a vida rapidamente", explicou Burnett.
O responsável da RHA afirmou ainda que a viagem da Bulgária para Essex, via Cherbourg, Rosslare, Dublin e Holyhead, demoraria entre "três a cinco dias".
O primeiro-ministro Boris Johnson já afirmou estar "chocado com este trágico incidente". Johnson disse que está a receber "atualizações regulares e o Ministério do Interior trabalhará em estreita colaboração com a Polícia de Essex", com o objetivo de estabelecer exatamente o que aconteceu. "Os meus pensamentos estão com todos aqueles que perderam a vida e os seus entes queridos."
No Parlamento, onde se discute o calendário do Brexit, Johnson abriu a sessão lamentando a "horrível tragédia" de Essex. Pela oposição, Jeremy Corbin, líder dos Trabalhistas, também reagiu. "Esta é uma tragédia humana inacreditável que aconteceu no nosso país neste momento", disse.
O primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, disse no parlamento em Dublin que existem "relatos de que o camião pode ter passado pela Irlanda". "Acho que os pensamentos de todos nesta Câmara estão com os que faleceram e as suas famílias. É uma tragédia realmente terrível e faremos as investigações necessárias se for estabelecido que o camião passou pela Irlanda", acrescentou.
Na Inglaterra, a secretária do Interior, Priti Patel, reagiu e disse que ficou "chocada e triste" com a notícia. Patel é deputada por Witham, que fica em Essex.
Escreveu no Twitter: "Chocada e triste com este incidente absolutamente trágico em Grays. A polícia de Essex deteve um indivíduo e devemos dar espaço para conduzir as suas investigações".
Depois, no Parlamento, Priti Patel voltou a falar do caso. "Embora as nacionalidades das vítimas ainda não sejam conhecidas, pedi aos meus funcionários que trabalhassem de perto com a investigação para fornecer toda a assistência possível. Isso está no topo do trabalho conjunto que já está a ocorrer entre a polícia, serviços de Fronteira e de Imigração, a Agência Nacional do Crime e outras agências policiais."
Também a deputada do partido Conservador Jackie Doyle-Price comentou o incidente na mesma rede social, considerando que se trata de "tráfico de pessoas feito por gente vil e perigosa".
Apesar de ainda decorrer a investigação para apurar quem são as vítimas, há fortes suspeitas que se tratam de imigrantes ilegais que procuravam assim entrar no Reino Unido.
Não é a primeira vez que tragédias como esta acontecem envolvendo camiões que transportam migrantes. Um total de 71 migrantes foram encontrados num camião frigorífico abandonado numa estrada na Áustria em agosto de 2015. Oriundos da Síria, Iraque e Afeganistão, os migrantes, quatro dos quais eram crianças, morreram asfixiados no compartimento estanque que os traficantes recusaram abrir. O veículo pesado tinha iniciado viagem na Hungria onde o caso foi julgado. Os quatro homens suspeitos de terem participado no transporte ilegal de pessoas foram condenados a 25 anos de prisão.
As mortes destes 59 homens, oito mulheres e quatro crianças foram o mais grave incidente deste género na rota dos Balcãs, usada por centenas de milhares de pessoas para fugir à pobreza e à guerra no Médio oriente, África e Ásia.
Em Inglaterra, um incidente similar desta gravidade remonta ao ano 2000. Em junho desse ano, os corpos de 58 imigrantes chineses foram encontrados num camião em Dover. Um motorista holandês foi preso no ano seguinte por homicídio.