Pashinyan, líder da "revolução de veludo", vence eleições na Arménia
Quase parece um guião por todos ensaiado vezes sem conta. "É a primeira vez que temos eleições justas e transparentes. Desta vez é muito diferente. Estamos muito felizes". Assim responde Siranush Abovyan, reformada, com 73 anos, antes de entrar na sala de voto para cumprir o seu dever cívico. Palavras que encontram eco em todos os outros eleitores entrevistados pelo DN: "A grande diferença em relação ao passado é que estas eleições são realmente livres. Antes era atroz, as violações eram inúmeras", afirma Hakob Badolyan, de 32 anos.
Cerca de duas horas depois de Siranush e de Hakob, foi a vez do primeiro-ministro Nikol Pashinyan percorrer o corredor do jardim de infância, situado num bairro humilde e afastado do centro de Ierevan, para depositar o seu voto. À sua espera encontrou um exército de jornalistas, ansiosos por captar a imagem do chefe de governo à boca da urna. Há muito que a vitória estava garantida. A única incógnita era saber qual seria a magnitude do triunfo. Dúvida que viria a ser desfeita já de madrugada. A aliança O Meu Passo, coligação liderada pelo ex-jornalista que se transformou em político, obteve 70,4% dos votos.
A abstenção foi de 51,4%, a maior de sempre registada em quaisquer eleições legislativas ou presidenciais desde que a Arménia, em 1990, se proclamou um estado independente, abandonando a alçada da ex-União Soviética. Dos 2.592.481 eleitores inscritos, apenas 1.260.840 decidiram que valia a pena ir votar.
Num momento de visível euforia com as alterações políticas, quais as razões para a baixa afluência? Ouvido pelo DN, o analista político Alen Ghevondyan, professor de Relações Internacionais na Universidade Estatal de Ierevan, avança vários motivos. "Estamos em dezembro, está frio e a vitória de Pashinyan era um dado garantido. Por outro lado, desta vez não houve motivação financeira para ir votar, nem excursões com autocarros para levar as pessoas até às mesas de voto". O académico faz assim referência a uma prática comum em eleições passadas: a compra de votos.
Nove partidos e duas coligações participaram na corrida eleitoral. Apenas três conseguiram ultrapassar os 5% necessários para garantir representação parlamentar. Em segundo lugar na contagem de votos, com 8,3%, ficou o partido Arménia Próspera, liderado pelo controverso empresário Gagik Tsarukyan. Por fim, a fechar a lista das forças políticas mais votadas surgem os liberais e pró-europeus do Arménia Luminosa, com 6,4%. Depois de duas décadas à frente do destino do país, o Partido Republicano não foi além dos 4,7%.
Pashinyan ascendeu ao cargo de primeiro-ministro no passado mês de maio, na sequência daquela que é apelidada de "revolução de veludo". As demonstrações populares que levariam à queda do governo e do Partido Republicano começaram no final de março, no momento em que começou a ser ventilada a hipótese do então presidente Serzh Sargsyan assumir o cargo de primeiro-ministro depois de dez anos na presidência do país.
Em 2015, através de um referendo, ficara decidido que o regime semi-presidencial da Arménia daria lugar a uma república parlamentar, o que, na prática, significa mais poderes para o primeiro-ministro e menos para o presidente. Assim, Sargsyan, ao trocar a presidência pelo governo, poderia continuar como a figura mais poderosa do país. Esta manobra, vista como uma tomada do poder, foi a gota de água que fez transbordar a paciência de uma sociedade civil cansada de um regime visto como demasiado corrupto. Foi então que o então deputado da oposição, Nikol Pashinyan, com o apoio de vários grupos de cidadãos, emergiu como líder do descontentamento popular.
A revolta da sociedade civil aumentou ainda mais a 17 de abril, quando Sargsyan, que terminara o mandato como presidente uma semana antes, foi nomeado primeiro-ministro (cargo que já ocupara entre 2007 e 2009) com os votos dos deputados do Partido Republicano, maioritário no Parlamento. Desta vez, no entanto, o consulado seria curto. Apenas seis dias depois e com as praças de Ierevan repletas de manifestantes a expressar a sua revolta, Sargsyan, encurralado, viu-se obrigado a pedir a demissão. "As ruas estão contra a minha liderança. Vou satisfazer o vosso desejo", afirmou no momento da saída de cena, acrescentando ainda: "Pashinyan estava certo e eu estava errado".
Depois de duas décadas no poder, o Partido Republicano saía de cena pela porta pequena. Estava consumada uma revolução que semanas antes poucos seriam capazes de prever.
A 8 de maio, à segunda tentativa, Pashinyan foi eleito primeiro-ministro pelo Parlamento Arménio, com 59 votos a favor (incluindo 13 de deputados do Partido Republicano) e 42 contra. Nas eleições de 2017, a coligação liderada por Pashinyan tinha conseguido ocupar apenas nove dos 105 lugares em disputa. O Partido Republicano reservara para os seus 58 cadeiras.
Nos últimos sete meses, o bloco partidário de Pashinyan chamou para cargos públicos vários representantes da sociedade civil, fez da luta contra a corrupção a sua principal bandeira e conquistou diversas autarquias, entre elas a capital Ierevan.
Um dos novos rostos que o primeiro-ministro trouxe para o palco político é Diana Gasparyan, uma advogada de 35 anos, que conquistou a presidência de Etchmiatsin, a quarta cidade do país, com mais de 50% dos votos, tornando-se assim na primeira mulher a liderar uma câmara municipal na Arménia. Em declarações ao DN, no dia das eleições, rejeita posicionar-se entre esquerda e direita e diz-se "liberal". Para responder à pergunta, escolhe fazer suas as palavras de Pashinyan. Explica que não gosta de "ismos" e define-se como "pró-Arménia".
No momento da entrevista com Diana Gasparyan, as urnas ainda estavam abertas. Até que ponto uma vitória demasiado folgada poderia revelar-se um presente envenenado? A nova autarca não hesita: "Um resultado demasiado alto pode não ser bom. É preciso cuidado para não cairmos no erro de deixar de ouvir os pontos de vista contrários. Gosto que haja diversidade e espero que o parlamento possa continuar com uma representação variada".
Os mais de 70% dos votos deixam sobre os ombros de Pashinyan uma pesada responsabilidade. As expectativas estão muito altas e os arménios esperam que o primeiro-ministro consiga cumprir com a "revolução económica" que voltou a prometer no domingo, à saída do jardim de infância onde votou. O politólogo Alen Ghevondyan não tem dúvidas de que os eleitores irão querer resultados rápidos, uma tarefa que, segundo o analista "será muito difícil". Para este analista é inevitável que a popularidade do novo líder acabe por cair nos próximos meses.
Ghevondyan não concorda com o termo revolução para definir o que se passou na Arménia em 2018. "Só será possível falar em revolução quando houver uma mudança de mentalidades. A principal mudança até agora é que passou a haver esperança", sublinha.
Armen Khachikyan, sociólogo e professor de História, partilha da mesma opinião: "Não houve mudança de regime político e, para já, tudo continua igual a nível das relações internacionais, da economia e da política de segurança. Não podemos falar em revolução".
Lena Hakkobyan tem 34 anos e trabalha na cozinha de uma padaria, na confeção de bolos e bolachas. Aquilo que diz acaba por sintetizar as palavras dos dois académicos. "Na minha vida ainda nada mudou, mas temos esperança de que as coisas vão melhorar", afirma, instantes depois de depositar o seu voto nas promessas de Pashinyan.