Para bater Trump, democratas hesitam entre o capitalista e o socialista
"Not a socialist." É esta a mensagem estampada em letras brancas nos bonés que a campanha de Michael Bloomberg está a vender no seu site. Custam 17,76 dólares, um piscar de olho ao ano em que os EUA declararam a independência, e têm um alvo claro: Bernie Sanders. Bloomberg não esconde a aversão ao senador do Vermont e num dos debates entre candidatos à nomeação democrata para as presidenciais de 3 de novembro nos EUA não hesitou em lançar: "Acontece que o mais conhecido socialista da América é um milionário com três casas", provocando a ira do rival. Apesar da vitória de Joe Biden nas primárias de sábado na Carolina do Sul - que marca o regresso do ex-vice-presidente à corrida - e de apenas restarem cinco candidatos na corrida, após as desistências de Pete Buttigieg e Amy Klobuchar, vai ser a Super Terça-Feira 3 de março, com 14 estados a votos, a lançar mais alguma luz sobre quem será candidato democrata. E uma dúvida que parece instalada entre muitos eleitores democratas é esta: quem será melhor para tirar Donald Trump da Casa Branca, o socialista Sanders ou o capitalista Bloomberg?
Citando uma sondagem do Pew Research Center de 2019, a campanha de Bloomberg lembra que "o número de americanos que têm uma imagem positiva do capitalismo é o dobro dos que têm imagem positiva do socialismo". Ora, o estudo em questão diz, de facto, que 42% dos americanos veem o socialismo de forma positiva, contra 65% no caso do capitalismo. Mas o que a equipa do milionário não refere é que, quando se reduz a amostra a democratas, as opiniões positivas aproximam-se, ficando perto dos 38% para ambos.
Mas será que a América está disposta a pôr um autodenominado "socialista democrático" na presidência? Bloomberg espera que não, mas a verdade é que neste momento Sanders é o claro favorito à nomeação democrata - depois das vitórias nas primárias do New Hampshire e do Nevada e de um segundo lugar no Iowa, em que obteve mais votos populares do que o vencedor, Pete Buttigieg, que suspendeu a candidatura no domingo, depois de ter feito história ao tornar-se no primeiro candidato presidencial assumidamente gay.
E se a Carolina do Sul, deu a Joe Biden um novo fôlego depois dos maus resultados que tinha tido até então e se o ex-vice-presidente até obteve o apoio tanto de Klobuchar como de Buttigieg, a Super Terça-Feira é o momento determinante para Bloomberg. O milionário ex-mayor de Nova Iorque, que até agora optou por uma corrida paralela centrada em anúncios televisivos nos quais já gastou muitos milhões da sua vasta fortuna pessoal, vai pela primeira vez a votos nos 14 estados em disputa a 3 de março. Mas as sondagens parecem não lhe ser muito favoráveis. Segundo a média feita pelo site FiveThirtyEight ainda antes de Buttigieg e Klobuchar desistirem,Sanders parecia ir arrebatar uma curta maioria dos estados, conquistando a maior parte dos 1357 delegados em jogo nesse dia, com Biden a subir. Para garantir a nomeação, um candidato precisa de chegar à convenção de Milwaukee, marcada para julho, com pelo menos 1991 delegados. E, uma vez que nas primárias democratas os delegados são distribuídos proporcionalmente, de acordo com a percentagem de votos de cada candidato, quem sair da Super Terça-Feira em vantagem ganha um balanço difícil de contrariar até à convenção.
Se Bloomberg só se estreia nas urnas neste 3 de março, a sua primeira prova de fogo foram os debates no Nevada e na Carolina do Sul, em que aceitou participar. E, se no primeiro foi o milionário o alvo de quase todos os ataques - desde a sua relação com as mulheres ao facto de estar a usar a fortuna para "comprar" a eleição, até à defesa que fez da política de buscas da polícia de Nova Iorque, que, quando ele era mayor, tinha luz verde para parar um cidadão em plena rua e fazer uma revista se suspeitasse de que podia estar envolvido num crime e na posse de uma arma (o chamada stop and frisk - parar e revistar) -, no segundo Sanders esteve na mira. Com o estatuto de favorito reforçado, o senador do Vermont foi atacado devido a recentes comentários nos quais expressou admiração pelo impulso na educação em Cuba dado por Fidel Castro. "Não estou ansioso por um cenário em que tudo se resuma à nostalgia de Trump pela ordem social da década de 1950 e à nostalgia de Bernie Sanders pela política revolucionária da década de 1960", explicava Buttigieg no debate.
Apesar de muitos americanos associarem socialismo a comunismo, o próprio Sanders em 2015 explicava que o socialismo "significa que, quando olhamos para os países do mundo que têm registos positivos na implementação de programas para a classe média e famílias trabalhadores, automaticamente olhamos para países como a Dinamarca, Finlândia, Noruega, Suécia e outros Estados que têm governos trabalhistas e sociais-democratas. E o que descobrimos é que nestes países a segurança social é um direito para todos, a educação superior é virtualmente gratuita, as pessoas reformam-se com boas pensões, os salários são mais altos, a distribuição da riqueza é mais justa e o seu sistema de educação é mais forte do que o nosso".
Apesar das explicações, não falta quem aproveite para brandir a ameaça do comunismo. Bloomberg considerou "comunista" a posição do senador sobre a riqueza. E no debate no Nevada sublinhou: "Não vamos deitar fora o capitalismo. Já tentámos isso. Outros países tentaram. Chama-se comunismo. E não funciona."
O próprio presidente Trump já usara o termo "comunista" para descrever Sanders. E, caso seja ele o nomeado democrata, alguns setores mais moderados do partido democrata temem que os republicanos usem contra ele a sua passada defesa de regimes repressivos na Nicarágua, Cuba ou União Soviética.
Se obtiver a nomeação, Sanders será o candidato mais à esquerda e antissistema a apresentar-se a umas presidenciais desde George McGovern, em 1972. E muitos ainda terão na memória a vitória esmagadora de Richard Nixon nesse ano, com o republicano a conquistar 49 dos 50 estados americanos.
À primeira vista, Bloomberg e Sanders não podiam ser mais diferentes. Mas não é só a idade - ambos têm 78 anos, com o milionário a ter celebrado o aniversário a 14 de fevereiro, cinco meses depois do milionário - que os candidatos partilham. Ambos nasceram em família judaicas: Bloomberg em Boston, no Massachusetts, filho de um contabilista numa empresa de laticínios, e Sanders em Nova Iorque, filho de um vendedor de tintas nascido em Slopnice, na atual Polónia, e emigrado para os EUA nos anos 1920. Ambos têm antepassados russos. A eleição de um deles para a Casa Branca significaria que os EUA teriam o primeiro presidente judeu da sua história.
Até o facto de partilharem a mesma religião tem servido para os candidatos lançarem farpas um ao outro. "Eu sei que não sou o único candidato judeu à presidência. Mas sou o único que não quer tornar a América um kibbutz", garantiu Bloomberg, numa referência às aldeias comunitárias muito comuns em Israel, sobretudo na altura da formação do Estado em 1948 mas que ainda existem hoje.
Em 1963, Sanders e a primeira mulher passaram alguns meses como voluntários num kibbutz israelita. O casal separou-se três anos depois e Sanders voltaria a casar-se em 1988. O seu único filho, Levi, é filho de uma relação que teve entre casamentos. Bloomberg, por seu lado, tem dois filhos do casamento com a britânica Susan Brown. Divorciado desde 1993, vive desde 2000 com a sua atual parceira, Marjorie Tiven.
Quando acusado por Bloomberg de hipocrisia por ter três casas, Sanders defendeu-se explicando que uma delas é em Washington, onde trabalha, a outra no Vermont, onde vive, e a outra é uma pequena casa de praia. Mas a verdade é que a fortuna do senador não é em nada comparável à de Bloomberg. Este, o oitavo homem mais rico do mundo segundo a Forbes, terá 56,2 mil milhões de dólares. Um valor que consegue fazer que Sanders, com os seus 2,5 milhões de dólares, pareça pobre.
Atualizada às 19.45 de dia 2 de março de 2020