Papa critica "sentenças injustas" no dia em que cardeal Pell é libertado

Francisco escreveu no Twitter que até Jesus Cristo foi perseguido de forma injusta e foi condenado mesmo sendo inocente, sem referir o caso da anulação da condenação do cardeal George Pell.
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Poucas horas depois de ser conhecida a decisão do Supremo Tribunal australiano que anulou a condenação do cardeal George Pell por abuso sexual de menores, o papa Francisco veio a público esta terça-feira condenar as sentenças "injustas" contra pessoas "inocentes".

O Supremo Tribunal da Austrália anulou cinco acusações de abuso sexual de dois rapazes de 13 anos de idade nos anos 1990, encerrando abruptamente o caso de pedofilia mais conhecido da Igreja Católica. Pell tinha sido condenado a seis anos de prisão e estava detido desde 2019. Mas com esta decisão foi libertado, tendo já deixado a prisão de Leebong, na Austrália.

As estradas foram mesmo encerradas para que o 'comboio' de viaturas em que seguia Pell pudesse chegar a um mosteiro no leste de Melbourne, onde está agora. A decisão do tribunal superior ocorreu durante a Semana Santa, a semana mais significativa do calendário cristão. Pell é um ex-tesoureiro do Vaticano.

Numa reação oficial, o Vaticano disse que "recebeu com agrado" a decisão do Supremo australiano, apontando que Pell, 78 anos, manteve firmemente a sua inocência durante um longo processo judicial. Já o papa Francisco publicou no tweet uma mensagem que foi entendida por muitos como um comentário ao caso.

"Nestes dias da Quaresma, temos testemunhado a perseguição que Jesus sofreu e como Ele foi julgado ferozmente, mesmo sendo inocente", disse o papa no Twitter.

"Vamos orar juntos hoje por todas as pessoas que sofrem devido a uma sentença injusta porque alguém a condenou", escreveu ainda, sem fazer nenhuma referência direta a Pell.

Quando Pell deixou a prisão, onde estava detido desde o ano passado, emitiu uma declaração dizendo que uma "injustiça séria" tinha sido reparada pela decisão do tribunal.

"As 'pessoas inocentes' são outras"

As reações são muitas e antevê-se uma "ofensiva" dos defensores do Pell.

O Vaticano "efetivamente ganhou um presente de Páscoa cedo" com a libertação de Pell, escreveu o especialista do Vaticano John Allen no site de notícias religiosas Cruxnow.com.

Mas nem todos compreendem o rumo seguido pela Igreja Católica. O jornalista italiano Emiliano Fittipaldi, que escreveu sobre escândalos no Vaticano, questionou o uso da palavra "inocente" pelo papa no tweet de terça-feira.

"Pell, sem dúvida, protegeu os padres pedófilos, ignorou as vítimas, comprou o silêncio das famílias. É um erro grave torná-lo um herói", disse Fittipaldi, no Twitter. "As 'pessoas inocentes' são outras",- apontou.

Um júri condenou Pell em dezembro de 2018, e essa decisão foi confirmada por um painel de três juízes no Tribunal de Apelação do estado de Victoria em agosto passado num veredicto não unânime. Pell foi preso na altura.

Mas agora o Supremo Tribunal da Austrália descobriu que "havia uma possibilidade significativa de uma pessoa inocente ter sido condenada porque a sentença não estabeleceu culpa pelo padrão de prova necessário".

O ex-tesoureiro do Vaticano permanece no sacerdócio, mas o seu futuro papel na igreja ainda não está definido.

Também se desconhece se a Congregação do Vaticano para a Doutrina da Fé continuará a sua própria investigação sobre as acusações feitas contra Pell, que foi suspensa durante o apelo judicial na Austrália.

Enquanto isso, a Santa Sé disse esta terça-feira (7 de abril) que "reafirma o seu compromisso de prevenir e perseguir todos os casos de abuso contra menores".

Anne Barrett Doyle, co-diretora do grupo de advocacia BishopAccountability.org, disse citada pela AFP que a decisão do tribunal era amplamente esperada.

"Embora angustiante para muitos sobreviventes, a decisão não muda o facto de o julgamento do poderoso cardeal ter sido um separador de águas".

Dos 78 bispos católicos em todo o mundo que foram publicamente acusados de abuso sexual de crianças, muito poucos enfrentaram acusações criminais e menos de 10 foram julgados em um tribunal secular, disse Doyle.

"No entanto, é onde todos esses casos pertencem. Embora confuso e doloroso, um processo judicial numa sociedade democrática é incomensuravelmente melhor do que o de um tribunal do Vaticano, que mantém os seus procedimentos em segredo", acrescentou.

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