"Os uruguaios falam portunhol. Queremos que falem português"

Entrevista à ministra da Educação e Cultura do Uruguai, María Julia Muñoz
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A ministra da Educação e da Cultura do Uruguai está em Portugal para manter vivos os laços entre os dois países e reforçar a cooperação na área do desenvolvimento científico e tecnológico, mas também no ensino do português. Ao DN, fala da abertura social dos uruguaios e do impacto que teve a eleição de José Mujica.

O Uruguai foi o primeiro país da América Latina a legalizar as uniões homossexuais, um dos primeiros a autorizar o aborto e é pioneiro mundial na legalização da marijuana. Porque é que é um país tão aberto socialmente?

O Uruguai tem fortes movimentos sociais que dinamizaram a política para os avanços nos direitos individuais. Foi o encontro dos movimentos sociais com a vontade política do governo da Frente Ampla que tornou realidade as uniões homossexuais, a adoção por parte de casais do mesmo sexo e a legalização da marijuana, que está em processo de comercialização em mais lugares que não só as farmácias, porque isso chocou com a legislação dos bancos dos EUA.

Qual é o problema?

Há 16 farmácias que não têm problemas porque não têm contas bancárias, mas as outras têm. E a legislação federal dos EUA não permite que peçam empréstimos ou que as empresas possam trabalhar com elas. Então estamos a trabalhar para que locais mais pequenos, com uma economia mais diária, possam assumir a comercialização para as pessoas que já estão registadas e que têm um limite máximo para o consumo recreativo. Da mesma forma já se começa a comercializar a marijuana medicinal. Também há problemas no reconhecimento que fez o Uruguai em relação aos direitos das mulheres.

Fala do aborto? Há problemas com a Argentina ou o Brasil onde não é legal?

No Uruguai é legal e aplica-se com normalidade. Há discrepâncias com movimentos sociais que não concordam e com grupos minoritários que se unem aos países que pensam diferente.

Porque é que os grupos sociais uruguaios tiveram esse impacto e noutros países da região não?

O Uruguai, desde começos do século XX, tem separado a Igreja do Estado. Creio que é maioritariamente um país laico, apesar de haver religiosidade e religiões. Criou-se uma mentalidade muito laica.

Falámos do aborto, mas o atual presidente, Tabaré Vázquez, foi contra...

Ele é médico e diz que, por questões éticas, é preciso defender a vida desde o momento da conceção. Ele é um homem que está muito comprometido com a saúde das pessoas e que agora lidera um movimento muito importante na Organização Mundial da Saúde de luta contra as doenças crónicas não transmissíveis. O Uruguai foi o primeiro país da América Latina que proibiu fumar nos espaços fechados e que começou com a ideia dos maços de tabaco sem marca, sendo alvo de um processo da Philip Morris. Ganhámos esse processo com grandes debates internacionais e discussões. Agora começamos a trabalhar contra o consumo abusivo do álcool, educando a população mais jovem, proibindo a bebida a quem conduz, a taxa de alcoolemia é zero, aconselha--se as mulheres grávidas a não consumir álcool, assim como aos menores de 18 anos. E desde o primeiro governo de Tabaré Vázquez que é obrigatória a educação física nas escolas para promover o desporto em todas as idades. Estamos dedicados a lutar contra a obesidade infantil que já começa a ser preocupante.

Que impacto teve a eleição de José Mujica como presidente em 2010?

Mujica, que atualmente é senador, teve a capacidade de prestar atenção ao que a sociedade reclamava. Além disso, as características pessoais de Mujica fazem que seja um ex-presidente mundialmente conhecido. É uma pessoa muito franca. O que pensa diz de imediato, uma postura com que se identifica o cidadão comum que não tem retórica para apresentar os problemas.

Ainda tem influência?

Sim. Em primeiro lugar porque mantém uma relação muito estreita com o atual presidente, porque são do mesmo partido. Também porque Mujica continua a ser uma pessoa muito ouvida, um homem muito equilibrado e muito aberto ao diálogo. Sempre que há dois setores sociais em confronto é procurado para mediar.

Qual é o objetivo da sua visita a Lisboa?

O Uruguai tem fortes laços com Portugal. A Colónia de Sacramento mantém toda a arquitetura portuguesa, de quando os portugueses estiveram no Rio da Prata, e temos interesse em manter vivo esse vínculo entre os países. Porque apesar de, numericamente, a população descendente dos portugueses ser menor do que a descendente de espanhóis ou italianos, existe uma colónia importante e laços afetivos e culturais. Ao Uruguai interessa tudo o que tem que ver com o desenvolvimento científico e tecnológico que fez Portugal. Queremos um maior desenvolvimento da investigação e interessa-nos ter convénios que permitam o intercâmbio de investigadores, de cientistas. Interessa também o relacionamento fluido em tudo o que tem que ver com o ensino do idioma. Já se incorporou o ensino do português em todas as escolas de fronteira com o Brasil, que é uma fronteira longa. Nós dizemos que os uruguaios falam portunhol, mas queremos que falem português.

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