Oposição desafia proibição e apela à "tomada da Venezuela"
A oposição venezuelana preparava-se para realizar hoje uma grande marcha em Caracas, contra o presidente Nicolás Maduro e a eleição, no domingo, da Assembleia Constituinte, quando o governo anunciou ontem a proibição "em todo o território nacional das reuniões e manifestações públicas, concentrações de pessoas e qualquer outro ato semelhante, que possam perturbar ou afetar o normal desenvolvimento do processo eleitoral". A resposta foi cancelar a marcha de Caracas e apelar à "tomada da Venezuela".
O anúncio da proibição dos protestos foi feito pelo ministro do Interior, o general Néstor Reverol, no segundo dia da greve geral de 48 horas convocada pela oposição (segundo a Reuters atraiu menos pessoas do que a da semana passada). O mesmo responsável avisou que as "pessoas que não permitam o processo eleitoral serão penalizadas entre 5 e 10 anos de prisão". Em todo o país haverá "96 pontos para denúncias sobre delitos eleitorais".
Logo após o anúncio de Reverol, a oposição em peso reagiu através do Twitter: "A ditadura diz que não podemos manifestar-nos a partir de amanhã. Então? Amanhã já não é a tomada de Caracas, mas de toda a Venezuela!", escreveu o vice-presidente da Assembleia Nacional, Freddy Guevara. "Frente a outra violação de direitos do povo previstos na Constituição, amanhã será a tomada da Venezuela e não de Caracas!", indicou o governador do estado de Miranda, Henrique Capriles.
A oposição tem multiplicado os protestos desde a realização de um referendo simbólico, a 16 de julho, no qual mais de 7,5 milhões de venezuelanos disseram "não" à Constituinte. Depois da greve de 24 horas na semana passada, desta vez foram 48 horas que deixaram as ruas de parte da capital totalmente vazias. Para a oposição a greve foi um sucesso (participação de 92% dos trabalhadores no primeiro dia), mas para o presidente foi um fracasso, com a televisão pública a mostrar como funcionários trabalhavam sem problemas. Contudo, há relatos de confrontos entre manifestantes e autoridades, com a morte de pelo menos três pessoas - já são 106 desde o início dos protestos, em abril.
Maduro participou ontem no final da campanha, num ato na Avenida Bolívar, no centro de Caracas. "A Constituinte é o caminho da paz", disse diante da multidão. No domingo, serão eleitos os 545 membros da Assembleia Constituinte que irá reescrever a Constituição de 1999. A oposição está a boicotar a eleição, acusando Maduro de querer contornar o poder da Assembleia Nacional (onde os opositores têm a maioria) e evitar as presidenciais de finais de 2018.
Na quarta-feira, numa entrevista à estação de televisão Russia Today, Maduro dizia que "subestimar a oposição, a sua capacidade para causar danos, a sua maldade, a sua capacidade de violência, foi talvez o pior erro que cometemos". Considerando que na Venezuela não há uma oposição democrática, indicou que tentou "durante três semanas e meia em maio um diálogo direto com a oposição para que se juntasse à Assembleia Nacional Constituinte e recusaram". E acrescentou: "E desde então a oposição o que tem feito é retroceder, foram à extrema-direita e ficaram presos nas estratégias de violência local."
Para o presidente, os meios de comunicação dominados pela oposição "venderam ao mundo a imagem de uma Venezuela que não existe". Defendendo que o país resiste há 110 dias de violência "com paciência, com estoicismo", alega que à oposição só restará um caminho: "Responder ao pedido de diálogo nacional que vai ser a Assembleia Nacional Constituinte a partir da próxima semana." Na sua opinião, esta assembleia é "a esperança para reunificar o país, para reconciliar a Venezuela".
Em relação aos EUA e às novas sanções, Maduro pediu a intervenção do presidente norte-americano. "Donald Trump, para a agressão contra a Venezuela. A Venezuela é uma base fundamental de estabilidade de toda a região das Caraíbas, da América do Sul. Se a Venezuela for desmembrada, se a revolução bolivariana for golpeada até ao ponto de nos obrigar a pegar em armas, nós iremos combater novamente com a mesma bandeira e iríamos mais além da nossa fronteira", avisou, pedindo o fim do intervencionismo dos EUA na América Latina. Mas disse que gostaria um dia de falar com Trump "e apertar-lhe a mão para lhe dizer que estamos no século XXI, que esqueça a doutrina de Monroe ["A América para os americanos"] e que chegou o tempo de aceitar a diversidade".