O "viva o rei" e o poema em português na homenagem às vítimas das Ramblas
"Estamos com vocês", disse o rei Felipe Vi, dirigindo-se aos familiares das vítimas dos atentados de há um ano, antes do início da homenagem na Praça da Catalunha. Depois da polémica entre independentistas pela sua presença nas cerimónias, o monarca foi recebido por aplausos e alguns gritos de "viva o rei", "viva Espanha" e "viva a Constituição".
Felipe VI, junto com Letizia, viajou de Madrid para Barcelona com o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez. À chegada à Praça da Catalunha, o rei cumprimentou, entre outros, o presidente da Generalitat, Quim Torra, o líder do Parlamento catalão, Roger Torrent, e a autarca de Barcelona, Ada Colau, que antes tinham estado nas Ramblas a depositar flores e a assinalar um minuto de silêncio.
As cerimónias de homenagem ficaram marcadas, nos últimos dias, pela polémica em torno da presença de Felipe VI. Duas faixas surgiram em Barcelona, uma delas, em inglês, dizia que "o rei espanhol não é bem-vindo aos países catalães". A outra tinha Felipe VI a cumprimentar o rei saudita com as frases, também inglês, "As guerras deles, os nossos mortos" e "Catalunha em solidariedade para com as vítimas".
O líder do Partido Popular, Pablo Casado, assim como o do Ciudadanos, Albert Rivera, recriminaram que os independentistas tenham tentado aproveitar a homenagem para atacar o rei. "Tentar aproveitar o tributo às vítimas para fazer uso tortuoso do processo independentista, que foi um fracasso e uma ruína para a sociedade catalã, é escandaloso", disse Casado após depositar flores nas Ramblas, onde há um ano uma furgoneta conduzida pelos jihadistas atropelou uma série de pessoas antes de fugir, com o terror a voltar a repetir-se em Cambrils.
O primeiro-ministro, Pedro Sánchez, deixou uma mensagem no Twitter, na qual recordou que "a unidade de toda a sociedade espanhola nos faz fortes contra o terror e a barbárie", prometendo continuar "firme diante da injustiça do terrorismo" e reiterando que "Espanha é país de paz".
Sánchez enviou duas mensagens, uma em castelhano e a outra em catalão. Mas a versão original em catalão não incluía o escudo nem a bandeira de Espanha, algo que foi corrigido meia hora depois, quando já tinha sido destacado pelos media espanhóis. Ao El Mundo, a equipa do primeiro-ministro disse que houve "um erro humano sem intencionalidade política que se corrigiu quando se detetou".
Duas das 16 vítimas eram portuguesas, como lembrou o primeiro-ministro português, António Costa, declarando solidariedade com Espanha. "Como em todos os grandes desafios atuais, precisamos de uma União Europeia mais unida e solidária para combater o terrorismo", escreveu numa segunda mensagem (ambas enviadas em português e espanhol).
As primeiras filas na cerimónia estiveram reservadas aos familiares e vítimas, com os monarcas e representantes políticos a ficar atrás.
O ato institucional foi apresentado pela jornalista catalã Gemma Nierga, que passou anos na Cadena Ser e agora tem um programa na Catalunya Radio. Um nome que causou alguma polémica por causa do ocorrido em novembro de 2000, num um evento de condenação do assassinato do ex-ministro da Saúde Ernest Lluch, morto pela organização separatista basca ETA.
Nierga surpreendeu ao improvisar para além da declaração que estava combinada, apelando aos políticos que dialogassem com os terroristas. "Estou convencida que Ernest, até com a pessoa que matou, teria tentado dialogar; vocês que podem, dialoguem, por favor", afirmou, para surpresa do então primeiro-ministro espanhol, José Maria Aznar.
Na cerimónia de homenagem às vítimas dos atentados de há um ano, Nierga lembrou que Barcelona é uma "cidade de paz" e que a homenagem é também aos serviços de emergência e de segurança. Depois, foi lido nas oito línguas faladas pelas vítimas (incluindo o português, com sotaque brasileiro) um poema do livro do inglês John Donne (1572-1631), Devotions upon Emergent Occasions (Devoções em ocasiões emergentes). "Nenhum homem é uma ilha isolada", começava o excerto (em português a partir dos 3:50).
Antes do início das cerimónias, o presidente da Generalitat fez uma declaração institucional para recordar as vítimas do "ataque terrorista brutal" de agosto de 2017, sem esquecer contudo um dos dirigentes independentistas detidos.
"Os ataques perpetrados pela célula jihadista deixaram mais de uma centena de feridos e 16 vítimas mortais. A tristeza, a dor e o medo, em pleno mês de agosto, estenderam-se por toda a Catalunha. A dor também se espalhou por todos os países de onde eram as vítimas desta barbárie e por todas as cidades e locais do mundo que se solidarizaram com o sofrimento das vítimas", disse num vídeo, rodeado por todos os membros do governo.
Expressando o seu agradecimento e reconhecimento para todos os profissionais de segurança, de emergência e de saúde, Torra pediu um reconhecimento especial para os responsáveis pelo complicado dispositivo operacional daqueles dias, nomeadamente o major Josep Lluís Trapero (ex-chefe dos Mossos d'Esquadra) e o conselheiro Joaquim Forn, "agora injustamente preso".
O antigo responsável pela pasta do Interior na Generalitat é um dos detidos, acusado de rebelião e sedição na organização do referendo independentista de 1 de outubro e consequenter declaração unilateral da independência.
"Os eventos vividos naqueles dias puseram à prova o nosso país e o seu povo. E saímos mais reforçados e unidos e mais convencidos dos nossos princípios. Princípios que nos consolidam como uma sociedade democrática, pacífica, plural e tolerante", afirmou Torra. "O mundo encontrará sempre a Catalunha na luta pela defesa da democracia e pelos valores da paz e da liberdade", acrescentou.