O vídeo sexual, o candidato, o artista russo, a namorada e o advogado 'português'
Depois de 48 horas em detenção em Paris, Piotr Pavlenski e a namorada, Alexandra de Taddeo, viram esta terça-feira o Ministério Público de Paris abrir um inquérito contra eles por "violação da intimidade da vida privada" e "divulgação sem acordo da pessoa" de uma gravação "visando palavras ou atos de caráter sexual". O casal é suspeito de estar na origem da divulgação de um vídeo sexual protagonizado por Benjamin Griveaux, o candidato do La Republique en Marche, o partido do presidente Emmanuel Macron, à presidência da Câmara de Paris. Griveaux acabou por retirar a candidatura, sendo substituído na corrida pela ministra da Saúde, Agnès Buzyn.
O Ministério Público de Paris abriu ainda outro inquérito, este apenas contra Pavlenski, por "violência com recurso a arma e sob o efeito do álcool" num caso datado de 31 de dezembro.
Durante a detenção, Pavlenski e a namorada tiveram atitudes diferentes. Enquanto o artista russo manteve o silêncio, Alexandra admitiu que o vídeo de Griveaux lhe era destinado. Aos 29 anos, a estudante de Direito na Universidade de Assas terá recebido do secretário de Estado várias mensagens e vídeos de teor semelhante no verão de 2018. Mas nega estar na origem da sua divulgação.
Na sexta-feira dia 14, Benjamin Griveaux, de 42 anos, anunciava à AFP a sua saída da corrida à presidência da Câmara de Paris, depois de terem começado a circular na Internet imagens íntimas suas.
O vídeo, destinado a uma mulher, no qual se pode ver um homem a masturbar-se cujo rosto nunca aparece mas atribuído a Griveaux, foi colocado online na quarta-feira à noite, num site criado propositadamente para esse fim e que entretanto ficou inacessível. Inicialmente partilhado por uma mão-cheia de políticos em mensagens privadas, depressa vazou para as redes sociais.
No sábado, Griveaux apresentou queixa e foi aberto o primeiro inquérito pelo Ministério Público de Paris.
Foi logo na sexta-feira de manhã que Piot Pavlenski, um artista russo conhecido pelos protestos excêntricos, reivindicou estar na origem da divulgação do vídeo. Refugiado em França desde maio de 2017, Pavlenski justificou o seu ato com a necessidade de denunciar a "hipocrisia" de Griveaux. Segundo o russo, o deputado, casado com a advogada Julia Minkowski e pai de três filhos, "usou a família para se apresentar como um ícone para todos os pais e maridos de Paris. Fez propaganda com os valores familiares tradicionais".
Ativista anti-Putin, Pavlenski ganhou fama mundial quando pregou os testículos ao pavimento da Praça Vermelha, tendo dois anos depois incendiado a ex-sede do KGB em Moscovo. Nascido em São Petersburgo há 35 anos, já antes fora notícia a ser notícia nos media internacionais quando no ano anterior cozera a boca em solidariedade com o grupo Pussy Riot.
Acusado de assédio sexual na Rússia, em janeiro de 2017 Pavlenski e a sua então companheira, Oksana Shalygina, bem como os filhos, receberam asilo político em França. O artista negou as acusações, garantindo estar a ser alvo de perseguição política.
Envolvido numa relação amorosa com Alexandra de Taddeo desde janeiro de 2019, Pavlenski já antes deste escândalo do vídeo de Griveaux tivera problemas com a justiça francesa. Logo em outubro de 2017 fora detido por incendiar a fachada do Banco de França no âmbito de uma instalação artística. Foi condenado a três anos de prisão, dois deles suspensos na execução.
Foi na primavera de 2018 que Alexandra de Taddeo começou a corresponder-se com Benjamin Griveaux através das redes sociais. Segundo os media franceses, esta troca de mensagens e vídeos terá durado vários meses, materializando-se pelo menos num encontro pessoal. Mas tudo terá terminado meses antes de Alexandra conhecer Pavlenski.
Uma das questões que falta esclarecer é porque é que a estudante de Direito gravou as mensagens. Os vídeos deviam apagar-se automaticamente um minuto depois de terem sido vistos. Mas passados dois anos continuavam no telemóvel da jovem.
Nascida em Metz, numa família da classe média alta, Alexandra de Taddeo é descrita pelos colegas como "um estudante inteligente". Fluente em cinco línguas, inclusive russo, estudou uns meses em Oxford antes de ser contratada como estagiária pela UNESCO em Paris.
Apaixonada por rádio, trabalhou numa emissora protestante e assinou com Pavlenski uma entrevista a uma atriz porno publicada no site dele pornopolitique.com, o mesmo que divulgou o vídeo de Griveaux.
O artista e a namorada conheceram-se por intermediário de Juan Branco. O advogado, filho do produtor português Paulo Branco e da psicanalista espanhola Dolores López, ganhou destaque graças ao apoio ao movimento dos coletes amarelos e como feroz opositor ao presidente Emmanuel Macron.
Foi a Juan Branco que Pavlenski recorreu para ter um parecer jurídico sobre a divulgação do vídeo. O advogado, nascido em 1989 em Estepona, na Andaluzia, criado em Paris e naturalizado francês desde 2010 (também tem a nacionalidade espanhola, mas não terá a portuguesa) lamenta agora não poder representar o artista russo - o Ministério Pública terá manifestado a sua oposição uma vez que Branco é testemunha num outro caso contra o russo -, apesar de continuar a falar em seu nome nos media.
Habituado aos clientes mediáticos - já defendeu Assange sob a batuta de Baltasar Garzón, o líder da Frente Insubmissa Jean-Luc Mélenchon ou o colete amarelo Maxime Nicolle - Juan Branco é autor de Crépuscule, um livro no qual ataca Macron e apela a uma revolta popular contra o presidente centrista.
De acordo com a lei francesa, um crime de "vingança pornográfica" pode ser punido com uma pena de dois anos de prisão e 60 mil euros de multa.