"O terrorista da porta ao lado"
Nas primeiras cenas do documentário conhecemos Abu Rumaysah, um homem de 30 anos com quatro filhos, que faz uma pequena visita guiada ao realizador, Jamie Roberts, pelas ruas de Walthamstow, em Londres. Enquanto andam, Abu Rumaysah, vai falando sobre a sua vida. Conta que é vendedor de castelos insufláveis, um artigo comum em festas para crianças, e que é de origem hindu mas converteu-se ao islamismo aos 19 anos e mudou de nome. Antes era Siddartha Dhar.
As primeiras cenas do documentário "The Jihadis next door" foram gravadas em janeiro de 2014, dias antes de Abu Rumaysah ser preso pela unidade de contraterrorismo britânica. Abu Rumaysah foi libertado após pagar uma fiança e dois dias depois partiu com a família para a Síria.
O documentário, que foi para o ar esta quarta-feira, foi produzido por Jaime Roberts e promete levantar questões sobre quem são as pessoas que vivem perto de nós, o que elas defendem e do que são capazes.
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"Quer saber como o islamismo o pode libertar das algemas de liberdade e da democracia?", pergunta uma mulher vestida com uma burca preta. Ela distribui panfletos nas ruas de Londres, mas a única parte do seu corpo visível para quem os recebe são os olhos. Para além da veste negra que cobre o seu corpo até aos pés, ela usa luvas, também pretas.
A mulher faz parte do grupo de muçulmanos que divulga mensagens a favor do radicalismo islâmico. Com panfletos, manifestações ou vídeos nas redes sociais, este grupo, que era liderado por Abu Rumaysah antes de este ter saído do pais, pretende convencer muçulmanos, e não só, que o islamismo radical é o único caminho certo a seguir.
"Não há ninguém digno de adoração, para seguir e obedecer na verdade, além de Alá e Maomé é o seu verdadeiro mensageiro", disse Abu Rumaysah, naquele dia em que se apresentava como um cidadão comum. Na sua mão tinha a "al-raya", a bandeira preta dos muçulmanos.
A bandeira preta do islamismo acompanha este grupo ao longo de todo o documentário. O que começou por ser um símbolo usado por exércitos muçulmanos durante os últimos 1200 anos, segundo o realizador, é agora associado a extremistas e ao Estado Islâmico.
O documentário foi feito ao longo de dois anos e acompanhou de perto a vida de Mohammed Shamsuddin e Abu haleema, dois homens que se destacaram como portas-vozes do grupo. Mostra cenas banais do seu dia a dia, como quando eles comentam e riem dos vídeos do Estado Islâmico, e tenta revelar o outro lado dos extremistas que vivem tão perto.
Abu Haleema faz vídeos para as redes sociais, principalmente Youtube e Twitter, em que promove os ideias do radicalismo. Após escolher o melhor cenário para o vídeo e perguntar ao operador de câmara se fica bem na imagem, diz o que quer que todos os jovens muçulmanos ingleses oiçam: "se rejeitares os nossos princípios vamos perseguir-te". Desde a emissão do documentário no Channel4, várias contas no Twitter com o nome Abu Haleema foram desativadas ou bloqueadas.
"Quem cometer adultério obviamente será apedrejado até à morte", diz, calmamente, a Jamie Roberts, enquanto imagina qual seria bom sítio em Londres para aplicar os castigos em público.
No Reino Unido é proibido e punível por lei apoiar o Estado Islâmico, por isso, Haleema nega que o faz, a rir, e afirma apenas que "quer viver sob a lei islâmica", a charia, e que só não o faz porque o seu passaporte foi retirado pelo governo britânico. "Dêem-nos os passaportes, deixem-nos ir embora, e já não vão haver extremistas no reino unido", diz. Abu Haleema já foi acusado várias vezes por ligações terroristas, mas nunca foi preso.
É já uma estrela no Youtube e muitas vezes as pessoas param-no na rua para tirarem fotografias com ele. Mas nem todos que o abordam na rua o fazem de modo amigável. Várias vezes as pessoas discutem no meio da rua com Abu Haleema e Mohammed Shamsuddin, principalmente muçulmanos.
Quando Mohammed Shamsuddin decidiu pregar a sua mensagem à porta de uma mesquita, sabendo que a maioria das mesquitas rejeita as suas crenças extremistas, houve confrontos entre os muçulmanos moderados e os extremistas. "Eles não são muçulmanos e estão a sujar a imagem dos muçulmanos", diz um jovem, visivelmente frustrado, durante um destes confrontos comuns.
Quando Mohammed Shamsuddin foi pregar no local onde acontecia uma manifestação pró curda, a polícia teve de intervir para acabar com os distúrbios. Os curdos, que são a única força terrestre a lutar na fronteira da Síria contra o Estado Islâmico, sentiram-se provocados pela propaganda radical.
Mohammed Shamsuddin substituiu Abu Rumaysah e é o novo líder do grupo. É um homem que está habituado a enfrentar a polícia, como se vê a acontecer várias vezes no filme, e não mostra qualquer sinal de dúvida quando afirma, perante dezenas de jornalistas e em frente a um tribunal, que a bandeira muçulmana vai estar em breve no 10 Downing Street, a residência oficial do Primeiro-ministro.
Para Shamsuddin, isto é "uma guerra entre verdadeiro e falso", sendo que "a mensagem dos extremistas é verdadeira, e do governo é falsa", e o objetivo é a dominação mundial.
Segundo Jamie Roberts, o governo britânico está receoso do crescente número de jovens que se convertem ao radicalismo islâmico pela internet. As campanhas e vídeos feitos por pessoas como Abu Haleema em alguns casos têm sucesso. Segundo dados do governo, em 2015 foram trava sete atentados terroristas, muitos planeados pelas redes sociais.
No final do documentário é sabido o que aconteceu a Abu Rumaysah. O inglês é identificado em jornais televisivos como o homem mascarado que matou cinco homens num vídeo do Estado Islâmico. "Jihadi Sid", como foi apelidado pelos meios de comunicação, é agora um dos homens mais procurados do mundo.