O regresso aos anos 50 e ao lema: "o marido em primeiro lugar"

Dizem-se feministas, mas apresentam uma imagem <em>vintage</em> e de acordo com os valores de castidade e feminilidade que promovem: muito croché, rosas, laços e nada de decotes. Movimento tem um nome:<em> tradwife</em>, e está a crescer na Internet.
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É um regresso ao passado e está a deixar as feministas em choque. Começou em Inglaterra e nos EUA, mas está presente também na Alemanha, Brasil e Japão. O ressurgimento da dona de casa submissa e altruísta - é disto que se fala - está a ganhar terreno principalmente nas redes sociais onde a hashtag tradwife (de tradicional house wife - dona de casa tradicional) é cada vez mais uma tendência.

Alena Kate Pettitt tornou-se uma espécie de porta-voz das mulheres que não têm, por opção, um emprego remunerado, mas decidiram ficar em casa e cuidar do lar e dos filhos. A regra nesta corrente de revivalismo das donas de casa dos anos 50 é colocar sempre o marido "em primeiro lugar". A opção de ficar em casa é até assumida como um ato feminista, o que tem gerado críticas.

Pettitt é fundadora da plataforma online The Darling Academy - a primeira imagem do site é a de um prato confecionado pela dona de casa, a imagem seguinte é uma fotografia do dia do seu casamento. A missão da plataforma lê-se no texto de apresentação - é a de promover "o regresso aos valores tradicionais".

A mensagem de Alena Kate Pettitt tem-se espalhado rapidamente, até porque a britânica tem-se desdobrado a dar entrevistas onde conta como trocou um emprego como assistente de marketing pelo trabalho doméstico.

E onde encontra Pettitt a felicidade? Num bolo a sair do forno com o qual pretende "descontrair" e "surpreender" o marido quando este chegar a casa.

Além de defender os valores tradicionais, que serão deixar a economia doméstica a cargo da mulher, bem como a educação dos filhos e atribuir ao marido a tarefa única de ganhar o sustento da casa, Pettitt garante que tem autonomia financeira, apesar desta depender da quantia mensal que o marido estiver disposto a dar-lhe.

"Sou o CEO da minha própria empresa, a responsável pela casa", explica no seu canal de YouTube que já tem mais de dois mil subscritores, embora os vídeos ultrapassem muitas vezes as três mil visualizações.

O movimento tradwife é inspirado no modelo da dona de casa americana dos anos cinquenta e sessenta, quando a sociedade e a publicidade enviaram a mensagem de que a felicidade das mulheres correspondia ao ideal de feminilidade e dedicação exclusiva ao ambiente doméstico e de cuidado da família, recorda o El País.

A ideia está a expandir-se na Internet em grupos do Facebook com nomes como "Mulheres com valores tradicionais" e rótulos como #tradlife, #tradwife ou #vintagehousewife.

"Como comer pizza sem parecer lésbica"

O livro Fascinating Womanhood - de 1963 - de Helen Andelin, tornou-se uma espécie de Bíblia para estas mulheres, e os conselhos para um casamento feliz inspiram o conteúdo de workshops sobre feminilidade e estilo de vida tradicional.

Dixie Andelin Forsyth relançou o livro da mãe em 2018 e desde então tem criado oficinas de feminilidade que já foram frequentadas por cerca de 100.000 mulheres. As aulas incluem, por exemplo, "instruções para não vestir roupas amarrotadas, como comer pizza sem parecer lésbica" ou "como se comportar para atrair e manter um homem".

No documentário Trad Wives (2019), que conta a história de Jennifer, uma americana de Chicago que se define como uma "treinadora de feminilidade", surgem algumas das ideias que se discutem nestes workshops, como a masculinidade dos homens não ser valorizada como antigamente, ou as calças masculinas já serem masculinas, "mas jeans skinny estreitas e femininas".

Estas mulheres apresentam uma imagem - pessoal, mas também familiar - vintage, e de acordo com os valores de castidade e feminilidade que promovem: muito croché, rosas, laços e nada de decotes.

Alena Kate Pettit tem recebido críticas devido às suas declarações, principalmente depois de assumir que a sua opção pessoal de ficar em casa e ser uma dona de casa é um ato feminista.

Hadley Freeman, jornalista do The Guardian, não deixou passar a afirmação de Pettit em branco e afirmou que quando a britânica tuita ou escreve posts com títulos como "o seu marido deve estar em primeiro lugar se quer ter um casamento feliz', "esse rótulo feminista parece questionável".

"Por mais que as donas de casa pensem que estão a ser rebeldes por não trabalharem [fora de casa], essa rebeldia baseia-se no facto de o marido ganhar o suficiente para sustentar uma família inteira", escreve Freeman.

Annie Kelly, investigadora do impacto das culturas digitais antifeminista e de extrema-direita, analisou esse fenómeno em "The Wives of White Supremacism", publicado no The New York Times, que explica o nascer deste movimento com a atual incerteza económica e política e a crescente insatisfação com a vida moderna.

"Não devemos subestimar como algumas jovens brancas, quando confrontadas com essa perspetiva económica sombria e depois apresentadas a uma imagem cor de rosa de felicidade doméstica nos anos cinquenta, possam querer olhar para trás".

Na Stylist, a psicóloga social Sandra Wheatley, diz que "só recordamos as coisas boas do passado, como as cozinhas quentes e os abraços da avó. É fácil pensar que voltar ao avental da avó é a cura para todos os nossos problemas".

Dixie Andelin Forsyth, que relançou o livro da mãe - acredita que o ressurgir da dona de casa tradicional se justifica assim: "As mulheres no Reino Unido, e em outros lugares, já tiveram feminismo suficiente (...) Agradecemos às feministas pelas calças, mas olhamos para a vida de uma forma diferente". Mas as feministas não ficaram em silêncio, cita o El País.

«Não [foram] apenas as calças, minha querida. A conta bancária no teu nome, o teu direito de voto e a proibição do teu marido te poder violar e bater. Só para citar algumas coisas".

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