O Papa que se quer mais próximo de todos e fora do museu

Há cinco anos, Francisco assumiu o lugar que Bento XVI deixou vago. E fez da "misericórdia" a "trave-mestra" para a Igreja
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Desde o primeiro instante, o Papa Francisco assumiu-se de forma desarmante próximo das pessoas, enquanto desafiava a Igreja a sair do museu em que muitos se cristalizaram. Bispo de Roma - como diz, nunca se apresenta como Papa - assumiu a "misericórdia" como tema central do seu pontificado e dela tem feito a "trave-mestra da Igreja".

A atenção aos mais frágeis, às realidades esquecidas e às periferias são os desafios de uma linha de ação que se cruza com a vontade de limpar a Cúria Romana da corrupção. Não é de estranhar, por isso, que o Papa Bergoglio assine o prefácio do livro Corrosão - Combater a corrupção na Igreja e na sociedade (ed. Paulinas) apontando o dedo à "pior chaga social" que é a corrupção "porque gera gravíssimos problemas e crimes que envolvem todos".

Este "franciscanismo" traduz-se naquilo que José Tolentino Mendonça, o padre e poeta que orientou o retiro da Quaresma do Papa, definiu como sendo "o seu desejo de que a Igreja seja menos um museu da religião e mais uma experiência original, comprometida e viva de Deus".

Fora do museu, Francisco quer recentrar a prática de uma Igreja com uma opção preferencial pelos pobres. Em fevereiro de 2015, o Papa pediu aos cardeais que acabava de criar (entre os quais Manuel Clemente, patriarca de Lisboa) para "abandonarem os seus paços" e para que se deixassem "inquietar pelos marginalizados", recordando entre estes os desempregados, numa Europa fustigada por uma crise que atingia milhões.

Aos cardeais, deixou então palavras duras para que saíssem da "casta": "Não se sintam tentados a estar com Jesus, sem quererem estar com os marginalizados, isolando-se numa casta que nada tem de autenticamente eclesial." Nestes mesmos dias em que falava assim, Francisco abriu nas colunatas do Vaticano duches públicos para que os sem-teto de Roma pudessem tomar banho.

No seu discurso, simples nos termos e no entendimento, Francisco tem outra "boa obsessão": os refugiados e as migrações foram tema da mensagem da paz de 2018 (publicada no primeiro dia do ano), ele que realizou a sua primeira "visita", como bispo de Roma, à ilha de Lampedusa, onde chegam muitos à procura da vida melhor na Europa.

Entre os desafios do seu pontificado, Francisco aponta também a "casa comum" que é a Terra, insistindo que ecologia e ambiente são expressões mais pobres, na qual todos são chamados a cuidar da criação. Como quando pediu, "por favor, a quantos ocupam cargos de responsabilidade no âmbito económico, político e social, a todos os homens e mulheres de boa vontade: sejamos "guardiões" da criação, guardiões do outro".

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Noutro campo, do diálogo ecuménico e interreligioso, o Papa insiste que é preciso "rezar uns pelos outros e fazer coisas juntos". Como observou o teólogo Anselmo Borges ao DN, ao "nunca se chamar a si próprio papa, desse modo alivia, ou facilita, o caminho para as outras igrejas cristãs, quer a ortodoxa, quer as protestantes".

É um pontificado de "pequenos sinais". Como quando se questionou, quando lhe perguntaram sobre a homossexualidade: "Quem sou eu para julgar?" E desde o início na forma diferente de governar e viver nos muros do Vaticano. Francisco quer reformar a Igreja, simplificando estruturas, abrindo mais as portas a leigas e leigos, com os olhos postos no Sul. O Papa tem mudado as coisas na Igreja de Roma - e a partir daí para todas as outras igrejas locais. Por exemplo, o Consistório de 2015 criou cardeais em pontos do mundo que até aí passavam ao lado da Santa Sé, como Cabo Verde ou Tonga.

Noutras mudanças mais impercetíveis, como a de uma linguagem viva e dessacralizadora, "uma lufada de ar tropical, fresco sempre, e evangélico", como apontou Manuel Clemente, e que abala a rigidez da Cúria sempre formalista, pedindo aos cardeais que não se deixem turvar pelo poder, aquele "espírito de mundanidade que embriaga mais do que a aguardente em jejum".

Como notava um lojista do Borgo Pio, bairro colado ao Vaticano, citado por Tolentino Mendonça, na sua crónica do Expresso, "o Papa Francisco não quer ficar identificado por nenhum objeto", porque "a paixão dele é mais o conteúdo do que a forma". E este é outro desafio que Francisco lançou à Igreja.

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