O imperador quer deixar de sê-lo. Mas não pode falar disso

Akihito é uma autoridade mundial no estudo da vida marinha. No trono desde 1989, aos 82 anos quer descansar. A tradição não o permite.

O imperador Akihito vai dizer que abdica, mas sem dizer que abdica. O que deverá suceder amanhã. Como não o pode dizer claramente, talvez leia um poema, cite um clássico nipónico sobre os deveres e estatuto do trono do Crisântemo ou encontre outra fórmula para anunciar aos japoneses que deseja deixar as funções assumidas em 1989, após a morte do pai, o imperador Hirohito.

O artigo 4.º da Constituição estipula que, "em matérias de Estado", as prerrogativas do imperador são apenas as previstas naquele artigo e sem possibilidade de "exercício de quaisquer poderes relativos à governação". Por isto, entende-se que Akihito, de 82 anos, não pode pronunciar declarações políticas. O mesmo artigo determina que a sucessão só pode ocorrer por morte do imperador reinante, uma provisão completada pela Lei da Casa Imperial.

Por isso, o anúncio da intenção de abdicar a favor do filho mais velho e herdeiro do trono, o príncipe Naruhito, de 56 anos, será feita de forma indireta, estando a casa imperial a considerar a forma de intervenção do imperador - um discurso em direto, uma mensagem gravada ou a publicação de um comunicado. O que é adquirido é que o casal imperial vai de férias dia 15 e seja qual for a forma escolhida, o anúncio não deixará de provocar ondas de choque no Japão, não só pelo especial estatuto de Akihito como pela sua popularidade. 125.º imperador do Japão, Akihito é o primeiro a quem não é reconhecida origem divina e a casar fora das linhagens nobres do seu país, com Michiko Shoda.

Problemas de saúde

Fontes da casa imperial, citadas no final de julho pelo Asahi Shimbun, referiam que o imperador tem vindo a evidenciar preocupação nos últimos anos pela condição física que resulta da avançada idade. Akihito foi tratado a um cancro na próstata, em 2002, e em 2012 teve de fazer um bypass. E, sentindo dificuldades em cumprir os deveres oficiais, pediu aos conselheiros informações sobre processos de abdicação noutras casas reais.

Para se concretizar a abdicação, o governo de Shinzo Abe tem de alterar a Lei da Casa Imperial (de 1889 e revista em 1947 após a aprovação da Constituição elaborada durante a ocupação dos Aliados), que também não contempla este cenário. Ora, o primeiro-ministro opor-se-ia a isso em linha com os setores tradicionalistas. Para estes, qualquer mudança pode ter consequências imprevisíveis, sendo a mais temida a possibilidade de se abrir caminho à sucessão pela linha feminina e uma perda de estatuto do imperador. Devido ao facto de Naruhito ter apenas uma filha, a princesa Aiko nascida em 2001, o tema foi discutido, mas acabou por não se chegar a uma conclusão ao nascer, em 2006, o príncipe Hisahito, filho do irmão mais novo do príncipe herdeiro.

Os tradicionalistas argumentam ainda que, em 200 anos, não há registo de um imperador ter abdicado. O último foi Kokaku, em 1817, a favor de seu filho, Ninko. No entanto, notam os defensores da abdicação, há inúmeros registos de renúncias ao longo dos tempos, notava a 22 de julho o Asahi Shimbun.

Akihito e Naruhito são populares entre muitos japoneses. E no que respeita às relações bilaterais, o primeiro esteve duas vezes em Portugal, com a segunda visita a coincidir com a Expo"98 e a mostra no pavilhão do Japão, em absoluta estreia mundial, da inestimável coleção de conchas marinhas de seu pai, Hirohito. Por seu turno, o príncipe Naruhito visitou Lisboa, Coimbra e Porto em 2004. Outros membros da família real já estiveram também em Portugal.

Popularidade

Akihito tem caracterizado o seu reinado pela atenção concedida à cicatrização das feridas e traumas da Segunda Guerra Mundial, que o Japão travou em nome de seu pai, e pela atenção dada ao cidadão comum. O imperador e sua mulher prestaram particular atenção às vítimas do terramoto de Kobe, em 1995, e às populações afetadas pela tragédia de Fukushima em 2011. O imperador, que mantém uma agenda pública e privada bastante carregada, é ainda um cientista de renome na área do estudo dos peixes (ictiologia), prosseguindo o interesse do pai pelas coisas do mar. Desde 1967 tem publicado dezenas de estudos em revistas académicas da especialidade.

Além das funções próprias de imperador - o único chefe de Estado no mundo hoje com este título -, Akihito desempenha ainda funções de sacerdote xintoísta, celebrando 32 vezes por ano as cerimónias próprias do culto, homenageando a deusa do Sol, Amaterasu Omikami.

Por outro lado, o príncipe Naruhito, que é licenciado em História, privilegia a música, sendo um exímio executante de viola. É ainda voz ativa em questões ecológicas, em particular na área dos recursos hídricos e no acesso à água. E, a confirmar-se a renúncia do pai, irá chegar ao trono com a mesma idade de Akihito - 56 anos.

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