O imperador mais irreverente que o Japão conheceu abandona o cargo hoje

O imperador Akihito é conhecido por ter quebrado diversas tradições da cultura japonesa.

Ao fim de 30 anos, o imperador japonês Akihito vai abdicar do trono esta terça-feira e terminar com a era imperial de "Heisei" (conclusão da paz). Na quarta-feira irá dar-se início ao reinado de Reiwa (bela harmonia) em que o filho de Akihito, o príncipe Naruhito, subirá ao trono. Esta é a primeira vez, no espaço de duzentos anos, em que um imperador abdica do trono.

Akihito é conhecido pelas suas escolhas arrojadas e por ignorar os protocolos. Desde cedo mostrou não ter medo de iniciar novas tradições e romper com as anteriores. O imperador optou por terminar com a distância entre si e a população japonesa, recusando-se sempre a ser tratado como um ser divino, algo que estava bastante enraizado na cultura do país, e construiu uma imagem nova e moderna sobre a família imperial japonesa.

O crescimento dos media e o surgimento da televisão ao vivo ajudou-o a eliminar a distância e a criar proximidade com a população, que começou a estar mais atenta às escolhas de Akihito, especialmente depois de este se apaixonar por uma plebeia e viver o "romance do século", como apelidou Shigeo Suzuki, ex-produtor de TV que supervisionou a cobertura do seu casamento, em 1959.

Akhito conheceu Mitchiko Soda nos anos 50, enquanto era príncipe herdeiro, num jogo de ténis que a população conhece como "o jogo do amor". Michiko era uma recém-licenciada em literatura e não tinha sangue real, algo que normalmente impediria os dois de ficaram juntos, mas para o príncipe isto não foi um problema. Depois de cortejar a jovem publicamente, acabou por a pedir em casamento, sendo o primeiro membro da família real a casar com um membro do povo em 2000 anos.

A história encantou o país e a jovem princesa tornou-se adorada por toda a população. Um dos repórteres que acompanhou a família real, Yukiya Chikashige, disse à CNN que a época passou por "um boom de Mitchi" e comparou a popularidade de Soda à da princesa Diana, ou à de Meghan Markle nos dias de hoje.

Além da fama da história de amor, a população também idolatrava a imagem de Mitchiko. De acordo com Chikashige, a imagem da princesa assemelhava-se à de Ann de Roman Holiday [Férias em Roma], papel interpretado por Audrey Hepburn. "As mulheres japonesas adoravam o seu penteado, o seu estilo, os seus acessórios, o seu jeito de falar. As vendas das televisões aumentaram na época porque todos queriam poder ver o casamento", declarou.

O casamento real ocorreu no dia 10 de abril de 1959 e estima-se que mais de 15 milhões de pessoas tenham assistido à cerimónia ao vivo. A Tokyo Broadcasting System (TBS) montou 12 posições de câmara para capturar o evento. As televisões só tinham chegado ao Japão seis anos antes e a televisão em direto estava a dar os seus primeiros passos. O evento foi um dos pioneiros na utilização de câmaras móveis, montadas em carrinhos. Pela primeira vez, os fotógrafos tiveram a oportunidade de se aproximar dos imperadores para tirar fotografias melhores, a convite de Akihito e Michiko.

Os imperadores aproveitaram os media para mostrar como o seu dia-a-dia não é muito diferente do da população em geral e acabaram por se transformar num modelo a seguir, numa época em que o país se tentava distanciar da destruição da segunda guerra mundial. "O país estava a sair das sombras e estava a trabalhar para criar a imagem de um novo Japão. Foi o começo de um boom económico, materiais e produtos eletrónicos estavam a entrar na casa das famílias, e tudo isto coincidiu com o casamento do príncipe".

Várias das imagens noticiadas na época mostram o casal a educar os seus filhos, a levarem-nos à escola e a utilizarem a cozinha do palácio para cozinharem para a família, algo nunca antes visto. "Graças a essas imagens do príncipe e da princesa, a imagem da família imperial mudou gradualmente de reverência para amor e respeito".

Depois de abdicar ao trono, Akihito terá um novo título, o de Imperador Emérito, e estará totalmente aposentado dos deveres oficiais. O homem nem vai assistir aos rituais de sucessão do seu filho e deixará de ser visto em grande parte dos eventos, para não interferir com o serviço do novo imperador. Akihito e Michiko vão mudar-se para uma residência real temporária até a troca ser oficializada e todas as reformas terem sido feitas.

Texto editado por Rui Frias

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