"O governo não é como um império empresarial"

Entrevista a Tim Sieber, professor da Universidade do Massachusetts, em Boston

Hillary Clinton voltou a falhar uma eleição. Os Estados Unidos não estão preparados para ter uma mulher na presidência?

Parece que não, uma vez que Clinton foi julgada de acordo com critérios diferentes dos usados para Donald Trump. A forma como os media o retrataram não foi tão crítica, e ele foi muitas vezes visto e mostrado como uma diversão. Minimizaram os seus comentários desagradáveis, os seus erros factuais ou até mesmo as suas mentiras. Enquanto Clinton foi sempre julgada como uma política com um longo historial na vida pública, com os media a colocarem-lhe perguntas difíceis. Ela foi mais escrutinada e mais criticada do que Trump durante a maior parte da campanha. Os problemas nos negócios de Trump, as suas dificuldades com a lei, as falências e mais de mil processos contra ele receberam pouca atenção. Clinton foi ainda vítima dos estereótipos sexistas como dizerem que era demasiado fraca para liderar e, quando ela insistiu que é forte, foi acusada de ser "mazinha", como lhe chamou o próprio Trump. O marido, o ex-presidente Bill Clinton, também tem muitos inimigos e ela acabou esmagada pela sua ligação a ele.

As expectativas são tão baixas que Donald Trump só pode ser melhor presidente do que se espera?

Todos esperam que ele se dê bem. Todos querem um presidente bem-sucedido, mesmo se se opõem a algumas das suas políticas.

Como é que a América vai lidar com o presidente Trump?

Ninguém sabe ao certo como é que ele vai governar ou até que ponto vai tentar encorajar a união entre as fações divididas da nação, uma vez que ele nunca teve qualquer cargo público. Em termos gerais, as pessoas estão à espera de que ele continue a exercer um controlo maior e siga políticas mais duras em relação aos imigrantes, às minorias raciais, aos latinos, aos gays, aos sindicatos, às mulheres e, claro, aos muçulmanos, que são cerca de 3,3 milhões nos EUA. A maioria dos seus apoiantes concorda com estas ideias. Os grupos de esquerda, logo nos dias a seguir à eleição, já estão a preparar-se para longas batalhas com o governo para defender as conquistas do passado e bloquear novas restrições em termos de direitos do trabalho, das minorias e dos imigrantes. Em Boston já houve protestos.

E o que esperar do estilo de governo do republicano?

Quanto ao seu estilo no poder, o governo federal não é com certeza como o império empresarial dele, onde ele é o único chefe. Trump vai ter de lidar com uma vasta equipa de gestores. Terá de contar com o apoio de centenas de responsáveis ao mais alto nível que irá nomear para gerirem as diferentes agências do governo. Isso inclui os 15 secretários (ou ministros) e o vice-presidente. Há ainda outros sete líderes de agências com cargos equivalentes ao de ministro, tal como o chefe de gabinete do presidente ou o diretor da Agência de Proteção Ambiental. Ao todo, um novo presidente nomeia umas quatro mil pessoas novas para ocupar os principais cargos do governo. Já para não falar no que se chama o "governo invisível", ou seja, os responsáveis pela segurança nacional cujo trabalho é em grande parte secreto, mas que são importantes na construção das políticas de segurança nacional do presidente. Em suma, é uma equipa enorme, e não estamos a falar aqui das centenas de elites financeiras, empresariais, religiosas e militares que dão conselhos regulares ao presidente de fora do governo. Todos estes conselheiros e colaboradores irão moderar o seu estilo de liderança imprevisível e prepotente.

Com Trump na Casa Branca podemos esperar um Supremo Tribunal conservador para os próximos 20 ou 30 anos?

Sim, receio que seja isso que podemos esperar. Um Supremo Tribunal com um, e provavelmente mais, nomeado nos próximos quatro anos que irá dar hipótese a Trump de escolher juízes conservadores para um cargo que é vitalício, conseguindo facilmente a sua aprovação por um Senado controlado pelos republicanos. Isto pode verdadeiramente mudar o carácter do tribunal durante a próxima geração - com implicações no direito de escolha das mulheres em relação ao aborto, em relação à reforma da imigração, aos direitos laborais, à reforma do financiamento das campanhas e em relação aos direitos cívicos.

Esta eleição vai prejudicar a imagem dos EUA no mundo?

A imagem internacional dos EUA já foi manchada por esta eleição e pela vitória de Trump. As acusações de irregularidades na votação que Trump fez e a tentativa dos republicanos para suprimir o direito de voto das minorias levaram muitos observadores a questionar se os EUA são mesmo um modelo de nação democrática, como pretendem ser. O facto de Trump ter questionado os tratados assinados pelos EUA com os aliados, inclusive o seu papel na NATO, que trabalha para promover a estabilidade política e económica internacionais, gerou incerteza quanto ao papel da América com uma administração Trump. Ele também criticou acordos de comércio livre. Os mercados financeiros reagiram de forma negativa à sua vitória.

Podemos esperar que pessoas com experiência política como o ex mayor de Nova Iorque Rudy Giuliani ou o governador de New Jersey Chris Christie, que deverão fazer parte da administração, consigam incutir alguma razoabilidade em Trump? Ou ele vai continuar a não ouvir ninguém?

Como disse antes, ele terá de ouvir os conselheiros. Todos os presidentes têm de o fazer. Felizmente isso irá incluir um círculo mais alargado do que essas duas figuras que foram os fiéis de Trump durante a campanha, porque ambos são muito controversos por si só, hiperpartidários e desrespeitosos. Tanto quanto o próprio Trump.

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