O francês que escolheu Portugal para passar a reforma e desenhar

Foi professor no Liceu Francês de Lisboa entre 1966 e 1978. Depois correu a Europa. Na hora de escolher o lugar para a reforma, Portugal venceu. Instalou-se há 18 anos no Algarve e desenvolveu o gosto pelo desenho
Publicado a
Atualizado a

Guy Moll fala muitas vezes no plural. Ele e a mulher, Maria Gabriela. Foi com ela que veio trabalhar para o Liceu Francês de Lisboa, em 1966. Foi em conjunto que escolheram Portugal, mais precisamente o Algarve, para passar a reforma, já lá vão 18 anos. Um país que agora desenha avidamente: "São horas e horas, milhares de desenhos, tenho montes de desenhos, acabados, não acabados, a maior parte feitos no sítio. Desenho com bic, faço o meu croquis, quando tenho tempo faço aguarela no sítio, quando não tenho faço depois em casa. Tenho 74 anos começo um pouco a sentir os músculos..."

Guy Moll reformou-se do ensino. Foi professor primário, a partir de dada altura com cargos de direção. No Liceu Francês de Lisboa esteve 12 anos, entre 1966 e 1978. Dessa época recorda alguns alunos "famosos, como a atriz Maria de Medeiros que esteve dois anos na sua classe. Ou a cineasta Anne Fontaine [nascida em 1959 no Luxemburgo]. "Nesse tempo o Liceu Francês era uma escola um pouco marginal, um pouco especial. Tínhamos muitos alunos, 2500, e havia de um lado a esquerda portuguesa, e do outro os filhos dos ministérios do Estado Novo. De vez em quando não era muito fácil..." diz-nos no seu português temperado com os érres franceses. Lembra-se do 25 de Abril de 1974: "Nessa manhã eu cheguei e estava lá o meu patrão que me disse "pode voltar para casa porque há uma revolução"". Uma revolução "até muito tranquila e pouco bélica", frisa Guy.

Após 12 anos de Portugal, seguiu-se o Liceu Francês de Madrid (até 1984), a região de Alsácia, de onde é natural em França, o Liceu Francês de Viena e terminou a carreira em Barcelona. Só quando se reformou, teve tempo para desenvolver o gosto pela pintura. Em 2011 participou num simpósio Internacional dos Urban Sketchers (coletivo que se dedica a desenhar) que se realizou em Lisboa. "Encontrei a minha via, o que eu gostava de fazer. Já desenhava mas nunca foi... bem os postos que eu ocupava eram em escolas com mais de mil alunos e 75 professores e não tinha tempo para fazer mais nada. Por isso é que quando eu fui para a minha reforma comecei a ter realmente tempo para me dar a esse hobby". Tem milhares de desenhos, alguns já publicados em livro. Desde então, substituiu as fotografias que tanto gostava de fazer, pelo desenho: "O desenho é superior à fotografia porque damos mais de nós próprios", considera. E foi assim que passou a documentar os passeios por Portugal e pelo estrangeiro com a mulher.

Guy Moll é natural de Colmar, na Alsácia. "É a cidade natal de Auguste Bertholdi que é o escultor da estátua da liberdade de Nova Iorque. Temos lá um museu na casa natal dele. É uma cidade muito bonita e que se encontra a 60 quilómetros de Estrasburgo", e onde, desde 2004, existe uma réplica da famosa estátua.

E como chega a Portugal? Ri-se. "Eu sou casado há 53 anos com uma senhora portuguesa". Guy e Maria Gabriela conheceram-se ainda ele estudava. Na universidade, em Estrasburgo, tinha um amigo português que o desafiou a visitar o país. Ele veio passar uns dias numa casa "no Cadaval" e o amigo apresentou-lhe "uma prima muito afastada". Casaram-se no ano seguinte, em 1964.

Em Estoi, perto de Faro, construíram uma "casa ecológica". "Vivemos aqui há 18 anos, sempre contentes, sempre satisfeitos. E cada vez mais satisfeitos porque extrema direita, racismo, é uma coisa que aqui não temos e que existe em França, com Le Pen e essas coisas. Lá representam 20 a 25% da população, não é pouco. Aqui não sentimos e é uma das razões essenciais da minha presença aqui."

Foi o clima ameno que primeiro o cativou no Algarve. Este ano nota "mais turismo". Nada que perturbe a rotina do casal, ambientalista convicto: preocupam-se com o que comem, quando comem - "não me apanham a comprar produtos que não sejam de época". Exceção, talvez para o bacalhau: "adoooro bacalhau. À Braz, à Gomes de Sá, com grão. Adoooooro."

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt