O favorito Lenín entre o legado de Correa e a crise no Equador

Equatorianos vão a votos para escolher o sucessor do economista que está no poder desde 2007, numa primeira volta que funciona como primárias de uma oposição dividida.
Publicado a
Atualizado a

"O país deve descansar de mim e, sinceramente, eu também devo descansar um bocadinho do país", disse o presidente equatoriano Rafael Correa, no último discurso à nação, quando já se sabia que não tentaria um novo mandato. Mas após uma década em que dominou a política do Equador e numa altura em que este atravessa uma crise económica, a escolha do sucessor é também um plebiscito à sua Revolução Cidadã. E se o candidato da Aliança País, Lenín Moreno, surge como favorito com a aposta numa "mudança na continuidade", os principais adversários da oposição, que não conseguiu chegar unida às eleições, esperam o resultado desta espécie de primária da direita para poder agregar todos os votos anti-Correa e surpreender na segunda volta.

Hoje, 12,8 milhões de equatorianos vão às urnas e, para ganhar à primeira, um candidato precisa de 40% dos votos válidos (descontando os brancos e nulos) e uma diferença de dez pontos percentuais em relação ao segundo. Moreno, que foi vice-presidente de Correa de 2007 a 2013, tem entre 25,6% e 43,3% das intenções de voto. A maioria das sondagens coloca o ex-banqueiro Guillermo Lasso em segundo, mas há uma que dá esperança a Cynthia Viteri. No total, há oito candidatos.

Em seis sondagens, só uma dá a vitória a Moreno à primeira volta e seria esse o cenário mais favorável para ele, evitando ter de enfrentar uma oposição unida. É que nem os próprios apoiantes de Correa estão confiantes. "Muitas vezes, pela capacidade de Moreno de dialogar com todos e de se apresentar como o político que vai pacificar o país, as pessoas não sabem o que ele pensa", disse ao DN o analista político Franklin Ramírez, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). "Parece que não tem convicções políticas fortes, ao contrário de Correa, e esse carácter faz que alguns acérrimos apoiantes do presidente tenham dúvidas sobre apoiá-lo", referiu.

Caso Moreno não consiga a vitória à primeira volta, "terá de fazer algo que Correa nunca teve de fazer, que é sentar-se a negociar", afirmou Ramírez, lembrando que as grandes maiorias do presidente acabaram por fechar o espaço democrático. Por outro lado, a nível da oposição, o analista político não vê como certa a passagem direta dos votos de Viteri para Lasso (caso seja ele a ir à segunda volta, prevista para 2 de abril). "Primeiro por causa do nível de confronto entre ambos que marcou a campanha. E depois porque o voto de Viteri é mais popular, enquanto o de Lasso é de classe média e alta", explica, dizendo que será mais difícil os primeiros votarem num ex-banqueiro que esteve ligado à crise bancária de 1999.

Mas quem é o favorito conhecido simplesmente por Lenín? Nascido na região amazónica equatoriana há 63 anos, estudou Medicina e Psicologia, mas formou-se em Administração Pública. É casado há 40 anos com Rocío González e tem três filhas. Foi professor e um dos impulsionadores da Câmara de Turismo do Equador. Em janeiro de 1998 viu a sua vida mudar, quando foi atingido a tiro nas costas durante um assalto e ficou paraplégico.

A sua resposta foi rir, dedicando-se a estudar o poder do riso e do humor na recuperação, escrevendo vários livros sobre o tema. Como vice-presidente, ajudou a criar uma base de dados de pessoas com deficiência para que estas pudessem receber apoios, acabando por ser nomeado por Ban Ki-moon enviado especial da ONU para os temas de "Deficiência e acessibilidade", quando deixou o cargo, tendo passado vários anos em Genebra, na Suíça.

Enquanto isso, Correa continuava a sua revolução, responsável por "um país mais igualitário, com menos pobreza, que começou a valorizar-se como nação", refere Ramírez. Mas que nos últimos anos vive numa crise económica. Dependente das exportações de petróleo e de Pequim (de cada dez barris exportados, em 2013, oito foram para a China), o Equador sofreu com a queda dos preços e dos rendimentos que possibilitaram a implementação dos programas sociais e a melhoria das infraestruturas. Em 2015, o PIB cresceu apenas 0,3%, mas em 2016 sofreu uma queda de 1,7%.

"Correa deixa o país num estado de convalescença. No último trimestre, as coisas recompuseram-se um pouco, subiram os preços do petróleo, entraram os empréstimos da China, houve o acordo comercial com a União Europeia e a visita do presidente da China, sinais fortes de que apesar da crise há um país viável", disse Ramírez. O problema é a dívida pública, que obriga ao pagamento anual de juros de cinco mil milhões de dólares - equivalente ao orçamento da Educação e da Saúde.

A crise económica e a consciência de que os eleitores não queriam uma alteração constitucional que lhe permitisse um novo mandato consecutivo levaram Correa a dar um passo atrás - pouco comum na esquerda radical latino-americana, que tem nestas eleições novo teste após sucessivos desaires. Depois de deixar o poder, Correa vai para a Bélgica, país natal da mulher, que conheceu quando estudava Economia em Lovaina.

[artigo:5136981]

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt