"O Facebook é dirigido por mentirosos patológicos e sem moral"
O presidente do equivalente neozelandês da Comissão de Proteção de Dados atacou violentamente o Facebook por recusar mudar as regras que permitem a difusão ao vivo de filmagens, que foi usada pelo terrorista de Christchurch para transmitir o massacre em duas mesquitas. "Não se pode confiar no Facebook", concluiu. "They don't give a zuck."
"Permitem a difusão em direto de suicídios, de violações e de homicídios, continuam a alojar e a publicar o vídeo do ataque à mesquita, permitem aos publicitários dirigir anúncios para "anti-judeus" e outros segmentos do mercado do ódio, e recusam aceitar qualquer responsabilidade por conteúdos que difundam ou mal que causem. (...) Não se pode confiar no Facebook. São mentirosos patológicos e sem moralidade."
Foi assim que John Edwards, presidente do equivalente neozelandês da Comissão Nacional de Proteção de Dados, reagiu, em dois tuites publicados este domingo, à entrevista do CEO do FB, Mark Zuckenberg, ao canal americano ABC. Edwards tinha proposto que a rede social criasse uma décalage entre a emissão e a difusão de vídeos para permitir moderação (ou seja, o bloqueio da emissão) se necessário. Mas Zuckerberg recusou essa possibilidade, dizendo que isso iria pôr em causa um serviço que serve para comunicar acontecimentos e aniversários, e que o problema não é a tecnologia ser "má" mas as pessoas -- uma justificação que faz lembrar a da lobby das armas, que usa o mesmo tipo de argumento: não são as armas que matam mas as pessoas.
Ora na sequência do massacre de março a Nova Zelândia decidiu de imediato legislar sobre as armas, proibindo a venda de armas de assalto e semi-automáticas Porém, impedir que volte a suceder alguém usar o Facebook Live para transmitir, durante 17 minutos, em tempo real, a morte de dezenas de pessoas (50 foram assassinadas em Christchurch) e que tal seja visto e descarregado (foram retirados posteriormente mais de 1,5 milhões de cópias e impedidos outros tantos downloads) por milhares internautas antes de ser retirado é algo que aparentemente não será tão simples de conseguir.
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O mais que a Nova Zelândia poderá fazer sem a colaboração do FB será copiar a Austrália. Este país, de onde é originário o terrorista de Christchurch, já passou uma lei que exige a retirada de conteúdos de ódio no prazo máximo de uma hora, reservando-se o direito de punir penalmente os responsáveis locais das redes sociais. A propósito, o ministro australiano da Justiça declarou: "É totalmente irracional que tais conteúdos possam estar disponíveis mais de uma hora sem que os responsáveis das redes ajam. (...) Esta lei deve prevenir que tal suceda e criminalizá-lo, e permitir ao governo uma possibilidade de resposta quando uma organização como o Facebook deixa esse tipo de difusão em direto disponível muito tempo na sua plataforma."
Edwards, nos tuítes que publicou e depois apagou, dizendo que tinham suscitado reações tóxicas, acusou ainda o FB de "permitir genocídios" (referindo a Birmânia e a perseguição dos Rohingyas, que foi incitada em posts no Facebook) e de "facilitar a ingerência estrangeira nas instituições democráticas" (aqui referindo a ingerência russa nas eleições americanas). E terminou com a hashtag "They #DontGiveAZuck", um trocadilho a partir da expressão "don't give a fuck", que significa "não querer saber", e do diminutivo de Zuckerberg. Edwards esteve também na rádio a contestar os argumentos usados por Zuckerberg na entrevista à ABC: "Ele não nos pode dizer, ou não nos quer dizer, quantos suicídios, homicídios, agressões sexuais foram difundidas em direto na sua plataforma."
Na sexta-feira, o jornal New Zeland Herald noticiou que ainda há vídeos do massacre no FB. Apesar de Zuckerberg, na entrevista, ter dito que o FB está a trabalhar com a polícia neozelandesa, a reação de um porta-voz à revelação do Herald foi de que a plataforma está a trabalhar "24 horas por dia para retirar novos carregamentos do vídeo usando uma combinação de tecnologia e de funcionários."
Edwards, que diz ser óbvio que o Facebook deveria ter criado salvaguardas antes de lançar o Facebook Live em 2015, por se tratar de um serviço de "alto risco", perguntou à plataforma, no início da passada semana, se tinha feito alguma coisa em relação ao serviço de diretos desde 15 de março -- o dia do massacre -- que se estivesse em vigor antes teria podido impedir o direto da matança ou assegurar que seria logo apagado ou bloqueado, ou objeto de análise humana. A resposta foi "não", assinalou Edwards no Twitter.