O arménio apaixonado pelo vinho de talha alentejano

Mkrtich Harutyunyan, Mirko para os amigos portugueses, está em Portugal a fazer um doutoramento sobre uma das mais antigas tradições vinícolas do mundo, que se chama karas na sua Arménia natal e vinho de talha em Portugal.

A paixão do arménio Mirko é o vinho, em especial o chamado vinho de talha, que há milhares de anos é produzido no seu país e que os romanos trouxeram também para Portugal, sendo hoje no Alentejo que a tradição está mais preservada. "Vinho de talha, ou karas na Arménia, é o vinho que é fermentado em recipientes de barro", explica o jovem académico de 28 anos, de seu verdadeiro nome Mkrtich Harutyunyan ("Mirko é para ser mais fácil para os meus amigos portugueses", diz, entre risos), que está a fazer um doutoramento em Microbiologia do Vinho no Instituto Superior de Agronomia, na Ajuda, que integra a Universidade de Lisboa.

"Quero dar a conhecer melhor o meu país e também chamar a atenção para aquilo que aproxima a nível cultural a Arménia e Portugal, apesar de estarem em extremos opostos da Europa. E o vinho de talha, comum aos dois povos, é uma prova dessa proximidade", explica Mirko, que chegou a Portugal em 2016 no âmbito do programa Erasmus+ e que na Universidade do Minho, em Braga, começou por estudar o setor vinícola português.

Nascido em Erévan, capital da Arménia, em 1990, um ano antes de se ter desintegrado a União Soviética, Mirko cresceu num país de novo independente, embora bastante mais pequeno do que a Arménia histórica, que goza da fama de ser o mais antigo país cristão, pois desde o século IV o Estado assumiu a religião que ainda hoje é a de 95% dos três milhões de arménios. Existe também uma numerosa diáspora: o cantor francês Charles Aznavour era de origem arménia (Aznavourian), assim como as americanas Kim Kardashian e Cher (Cherilyn Sarkisian) também o são.

O arménio, graças a estes três anos em Portugal, já fala um pouco de português, mas prefere recorrer ao inglês para contar a sua história. Foi ele, aliás, que veio bater à porta do DN, "o jornal mais antigo de Portugal". Depois de Braga, seguiu-se a Universidade de Lisboa, primeiro com uma bolsa da Fundação Gulbenkian para as comunidades arménias e depois com outra de três anos do próprio Estado português. A licenciatura e o mestrado Mirko fez na Universidade Agrária Nacional da Arménia. Agora a sua tese é "A influência da segmentação do consumidor nos vinhos de nicho" e daí a importância de tudo o que tem que ver com o vinho de talha, o tal que os antigos romanos produziam já em ânforas por todo o Mediterrâneo e no Cáucaso, sendo que o reino da Arménia alterou entre rival e aliado do Império e este acabou por governar em certas épocas algumas das terras habitadas por arménios.

Conta Mirko que o seu orientador português é o professor Manuel Malfeito-Ferreira e que tem conhecido outros especialistas, como o professor Virgílio Loureiro, tendo ambos feito palestras sobre o vinho da talha, em Portugal e na Arménia, durante uma tertúlia na Quinta da Pigarça, Cuba, por ocasião do São Martinho, sendo o 11 de novembro o dia da abertura das talhas.

O investigador arménio conta também entre as suas iniciativas uma prova de vinhos no salão nobre do Instituto Superior de Agronomia, onde esteve um exemplo de karas, Zorah, um vinho tinto de 2014, e um de talha, José Piteira, tinto de 2015 e branco de 2016. Para orgulho de Mirko, Virgílio Loureiro, ao fazer uma comunicação sobre o vinho de talha como símbolo da civilização mediterrânica, referiu-se à Arménia como "a terra sagrada do vinho".

Decidido a representar o melhor que pode o seu país, Mirko tem feito participar nos eventos ligados ao vinho de talha o quarteto musical Opus22, ligado à Fundação Gulbenkian, e onde toca Samvel Barsegian, outro arménio. É, aliás, através do académico que fico a saber da existência de um restaurante arménio em Lisboa, o Ararate (nome da montanha sagrada onde terá ficado a arca de Noé, bem visível de Erévan, mas que fica no outro lado da fronteira, já na Turquia), numa avenida não longe da fundação legada a Portugal por Calouste Sarkis Gulbenkian, um arménio nascido em 1869 em Istambul, então capital do Império Otomano.

Em Portugal, como prova de que esta tradição herdada dos romanos é bem forte, há atualmente 20 municípios envolvidos no projeto de candidatura da produção artesanal de vinho de talha à classificação de Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO, um processo liderado por Rui Raposo, presidente da Câmara de Vidigueira.

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