Nobel da Paz de 2019: "Este é um prémio para África"

O premiado com o Nobel da Paz de 2019 é o primeiro-ministro da Etiópia Abiy Ahmed. No poder desde abril de 2018, o laureado, de 43 anos, foi destacado pelos acordos de paz com a vizinha Eritreia

O premiado com o Nobel da Paz de 2019 é o primeiro-ministro da Etiópia Abiy Ahmed, foi esta sexta-feira anunciado em Oslo, na Noruega.​​​​​​ O prémio, que será entregue a 10 de dezembro, vale nove milhões de coroas suecas, ou seja, cerca de 830 mil euros.

"O primeiro-ministro Abiy Ahmed Ali foi galardoado com o Prémio Nobel da Paz deste ano pelos seus esforços em prol da paz e da cooperação internacional, em particular pela sua iniciativa decisiva de resolver o conflito fronteiriço com a vizinha Eritreia", indicou a presidente do Comité Nobel, Berit Reiss-Andersen.

Decidido à porta fechada por um comité de cinco pessoas nomeadas pelo Parlamento norueguês, este era um dos prémios aguardados com maior expetativa desta temporada Nobel, face às especulações sobre o eventual vencedor.

"Sinto-me humilde e emocionado... Muito obrigado. Este é um prémio para África, atribuído à Etiópia, posso imaginar que os restantes líderes de África vão vê-lo como algo positivo e trabalhar no processo de construir a paz em todo o continente. Estou muito feliz e emocionado com esta notícia. Muito obrigado, é um grande reconhecimento", declarou o chefe do governo etíope, ao ser contactado por telefone pelo comité para o informar de que tinha ganho o Nobel da Paz de 2019.

Ouça aqui a gravação do telefonema:

O primeiro-ministro etíope era, nalgumas apostas, o segundo entre os favoritos para vencer o Nobel da Paz. Em causa está o seu trabalho para reforçar a democracia na Etiópia desde que tomou posse, em abril de 2018, com a libertação de presos políticos e a nomeação de um governo paritário, assim como a assinatura dos acordos de paz com a vizinha Eritreia, a 9 de julho de 2018.

A Eritreia acedeu em 1993 à independência pela qual lutava desde 1961, fazendo perder à Etiópia a sua única fachada marítima, sobre o Mar Vermelho. Entre 1998 e 2000, os dois vizinhos travaram uma guerra, que provocou pelo menos 80 mil mortos, com a questão da delimitação da fronteira a figurar entre as razões do conflito. Desde então, os dois países mantinham numerosas forças ao longo da fronteira comum, de mil quilómetros, apesar de terem assinado em 2000 um acordo de paz em Argel, que nunca foi implementado. O clima entre os dois países era bastante instável, apesar de não haver nem guerra aberta, nem paz.

Na carta de nomeação de Abiy Ahmed, divulgada pelos jornais locais, lê-se que o político de 43 anos é "um símbolo de paz e justiça numa região onde os líderes políticos têm governado pela violência, tirania e violação dos direitos humanos" e por ser "um líder transformacional em equidade e direitos humanos dentro da Etiópia".

Filho de mãe cristã e de pai muçulmano, Abiy Ahmed, chegou ao poder em fevereiro de 2018, após a demissão de Hailemariam Desalegn, no contexto de uma profunda crise política. Converteu-se no líder mais jovem de África. Chegado ao poder, tentou conter os confrontos, libertou centenas de presos políticas, retirou o estado de emergência e permitiu o regresso à Etiópia de figuras destacadas da oposição que se tinham exilado.

Reagindo ao prémio, através do Twitter, o gabinete do chefe do governo da Etiópia declarou: "Expressamos o nosso orgulho na escolha do primeiro-ministro da Etiópia para Prémio Nobel da Paz de 2019. Este reconhecimento é um testemunho dos ideias da unidade, da cooperação e da coexistência mútua, que o primeiro-ministro tem vindo consistentemente a defender".

"A paz não surge das ações de uma das partes apenas. Quando o primeiro-ministro Abity estendeu a mão do presidente Afwerki, este agarrou-a e ajudou a formalizar o processo de paz entre os dois países. O Comité Nobel Norueguês espera que este acordo de paz traga mudanças positivas para todas as populações da Etiópia e da Eritreia (...) Sem dúvida, algumas pessoas acharão que este prémio está a ser atribuído demasiado cedo. O Comité Nobel Norueguês acredita que os esforços de Ahmed Abiy merecem reconhecimento e precisam de ser encorajados", disse aos jornalistas em Oslo a presidente daquele comité.

No passado, críticas surgiram sobre o Nobel da paz atribuído ao ex-presidente dos EUA Barack Obama, há precisamente dez anos. Algumas vozes consideraram essa atribuição precipitada e alguns chamaram-lhe mesmo o Nobel da Paz preventivo. Questionada pelos jornalistas presentes em Oslo esta sexta-feira sobre se, precisamente, o prémio não foi precipitado, uma vez que o jovem líder etíope ainda tem que introduzir reformas democráticas, a presidente do comité respondeu: "Reconhecemos as suas intenções de levar a cabo eleições democráticas no próximo ano e não concordo com a premissa da sua pergunta, porque, definitivamente, há muito que já foi conseguido em termos de fazer reformas democráticas na Etiópia, mas há ainda um longo caminho a percorrer. Roma não foi feita num dia e a paz e o desenvolvimento democrático também não são atingidos num curto espaço de tempo".

A favorita nas apostas era a jovem sueca de 16 anos Greta Thunberg, ativista em defesa do clima, mas acabou por não ser escolhida pelo comité Nobel. Entre os nomes falados estava também o da chefe do governo neo-zelandês, Jacinda Ardern, pela sua resposta ao atentado terrorista contra as mesquitas de Christchurch. E o de organizações como a Repórteres Sem Fronteiras ou o Comité para a Proteção dos Jornalistas.

Questionada sobre se o primeiro-ministro da Etiópia era um nome mais consensual - do que por exemplo o da jovem sueca Thunberg - e sobre quando é que o comité pensa regressar às questões ambientais na hora de decidir o prémio, a presidente do comité norueguês afirmou: "No dia em que anunciamos o prémio, não fazemos comentários sobre quem não recebeu o prémio e sobre quem poderia ter recebido o prémio. Portanto, não faço comentários sobre isso".

Em 2004, o Nobel da Paz foi para uma ambientalista queniana, Wangarĩ Muta Maathai (entretanto falecida em 2011), a primeira mulher africana a receber este galardão. Maathai ficou conhecida pela sua luta pela conservação das florestas e do meio ambiente. Ativista, fundou o movimento Cinturão Verde, ainda nos anos 1970, no Quénia, uma iniciativa no âmbito da qual foram plantadas 30 milhões de árvores. Antes de morrer, em 2011, estava a ajudar a ONU no projeto de plantar mil milhões de árvores.

Ao ser laureado o primeiro-ministro da Etiópia, esta é a 24.ª vez que o Nobel da Paz vai para África. Os líderes africanos e árabes, como o presidente da Somália, foram dos primeiros a congratular-se, no Twitter, com a atribuição do Nobel a Abiy Ahmed. Na mesma rede social, a Amnistia Internacional instou o líder etíope a aproveitar a distinção para respeitar os direitos humanos. "O primeiro-ministro da Etiópia recebeu o Prémio Nobel da Paz, este prémio deve servir para motivá-lo a fazer face aos grandes desafios de direitos humanos que possam reverter os ganhos feitos até agora".

O secretário-geral da ONU, António Guterres, emitiu um comunicado a saudar o chefe de governo da Etiópia. "Eu disse várias vezes que os ventos de mudança sopram por toda a África. O primeiro-ministro Abiy Ahmed é uma das razões. A sua visão ajudou a Etiópia e a Eritreia a chegarem a um entendimento histórico e sinto-me honrado em testemunhar a assinatura do acordo de paz no ano passado. Isto abriu oportunidades para a região tirar partido da paz e da segurança e a liderança do primeiro-ministro Ahmed é um magnífico exemplo para os outros e para além de África, no sentido de se ultrapassar a resistência causada pelo passado e de pôr as pessoas em primeiro lugar".

Também a Comissão Europeia reagiu, no Twitter, à distinção do chefe do governo etíope. "Congratulamos o vencedor do Prémio Nobel da Paz, o primeiro-ministro etíope Abiy Ahmed Ali. Com a sua coragem, ele constrói pontes na região, recomeçando as conversações de paz depois de 20 anos de impasse com a Eritreia. Estamos ao lado da Etiópia na sua caminhada para a democracia e a paz".

A ex-eurodeputada portuguesa Ana Gomes, uma das pessoas que no Parlamento Europeu mais lutaram pela defesa dos direitos humanos e pelos direitos da oposição etíope, reagiu ao Nobel da Paz deixando no Twitter uma mensagem ao galardoado e a todo o povo da Etiópia. "Parabéns Etiópia e primeiro-ministro da Etiópia. Isto é não só um reconhecimento pelos extraordinários passos dados para fazer a paz com a Eritreia, mas também um incentivo para construir e consolidar a paz e a democracia dentro da Etiópia e entre todos os povos da Etiópia!", escreveu a ex-eurodeputada do PS, que em fevereiro foi distinguida na Etiópia. Localmente, disse ao DN na altura, é conhecida como "Anna Gobese" - termo local que significa bravo ou corajoso.

Em maio deste ano, o primeiro-ministro da Etiópia Abiy Ahmed já tinha sido laureado com o Prémio de Paz Félix Houphouët-Boigny, da UNESCO. O prémio recebeu o nome do homem que foi presidente da Costa do Marfim entre 1960 e 1993 e pretende honrar "pessoas vivas, instituições ou organismos públicos ou privados em atividade, que tenham contribuído de maneira significativa para a promoção, busca, salvaguarda ou manutenção da paz em conformidade com a Carta das Nações Unidas e a Constituição da UNESCO".

No Twitter, o escritor britânico de origem etíope Lemn Sissay, publicou uma fotografia sua com Abiy Ahmed e escreveu: "Ele libertou todos os jornalistas da cadeia. Ele nomeou mulheres para metade das pastas do seu governo. Nomeou uma grande mulher para presidente [Sahle-Work Zewde]. Ele fez a paz com a Eritreia. Ele é primeiro-ministro da Etiópia e hoje foi laureado com o Prémio Nobel. Ele é o primeiro-ministro Abiy Ahmed".

Ao ser laureado agora com o Prémio Nobel da Paz 2019, o primeiro-ministro da Etiópia sucede aos premiados com o Nobel da Paz em 2018: o médico Denis Mukwege, que dedicou sua vida à defesa de vítimas de violência sexual em tempo de guerra no seu país, a República Democrática do Congo; e a Nadia Murad, a yazidi que foi vítima de violência sexual por parte do Estado Islâmico no Iraque. Nadia Murad conseguiu fugir e denunciou ao mundo as atrocidades sofridas - por ela própria e por muitos outros jovens e mulheres da sua etnia.

Na segunda-feira, 14 de outubro será conhecido o vencedor - ou vencedores - na área da Economia, o último Nobel desta temporada.

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