Não, não, não e não. Deputados rejeitam todas as alternativas de Brexit
Três dias depois de ultrapassada a data inicial do Brexit, os deputados britânicos continuam sem encontrar uma maioria num voto referente ao Brexit. Com quatro moções a votação esta segunda-feira, os deputados rejeitaram todas as opções.
Das oito moções que estavam em jogo hoje, foram escolhidas para debate apenas quatro pelo líder da Câmara dos Comuns, John Bercow. A moção C, de Kenneth Clark, defendia que qualquer acordo de retirada e declaração política negociada com a UE devia incluir um compromisso para negociar uma união aduaneira abrangente e permanente com o Reino Unido e garantir que isso ficava inscrito na lei. Teve 273 votos a favor e 276 contra. Apenas três votos de diferença.
A moção D, de Nick Boles, apostava num Mercado Comum 2.0, isto é, um acordo ao estilo do que a Noruega tem com a União Europeia, que incluia ficar no mercado único europeu, aceitando a liberdade de movimentos, assim como a união aduaneira. Teve 261 votos a favor e 282 contra: 21 de diferença. Boles anunciou depois de conhecidos os resultados que vai deixar o cargo dentro do Partido Conservador -- ele era responsável por garantir a disciplina de voto. "Falhei porque o meu partido se recusa a comprometer", disse. Mais tarde anunciou que ficará como um conservador progressista independente no Parlamento britânico.
A moção E, de Peter Kyle, defendia que o acordo do Brexit devia ser submetido a um referendo de confirmação antes de ser ratificado pelo Parlamento, isto é, apostava num segundo referendo. Teve 280 votos a favor e 292 contra. Uma diferença de 12 votos.
Finalmente, a moção G, apresentada por Joanna Cherry, propunha que, se a dois dias de o Reino Unido sair da UE não houver um acordo aprovado, o governo deve pedir nova extensão do artigo 50.º. Pelos prazos em vigor, isso seria o dia 10 de abril, data em que há, precisamente, um Conselho Europeu de emergência sobre o Brexit. Caso não seja garantida a nova extensão, os britânicos devem revogar o artigo 50 do Tratado de Lisboa completamente. Teve 191 votos a favor e 292 contra, tendo sido a moção derrotada por uma diferença maior: 101 votos.
O Labour apoiou todas as emendas, exceto a última. Depois de conhecidos os resultados, o líder trabalhista, Jeremy Corbyn, lembrou que se a primeira-ministra britânica, Theresa May, teve a oportunidade de votar o seu acordo três vezes, os deputados também devem ter uma terceira tentativa, especialmente porque houve uma moção derrotada só por três votos.
"Sabemos o que o parlamento britânico não quer, mas ainda não o ouvimos dizer o que quer. Uma esfinge é um livro aberto em comparação com o parlamento britânico", tinha ironizado antes do debate Jean-Claude Juncker, num discurso em Sarbruque, na Alemanha. "Basta deste longo silêncio", defendeu na intervenção, na qual também reiterou que se o Reino Unido não sair do bloco comunitário em 12 de abril terá de participar nas eleições europeias, de 23 a 26 de maio.
A hipótese de Theresa May voltar a levar o seu acordo a votação não diminuiu com esta votação, pelo contrário. Diante de duas emendas que significam um "soft Brexit" e outras duas que, na prática, podiam acabar por pôr um ponto final ao Brexit, a primeira-ministra pode usar a votação para ameaçar os eurocéticos conservadores que votaram contra si. A cada votação, May tem ganho votos e na última (a que não foi vinculativa, porque separou acordo de saída da declaração política), perdeu por apenas 58 votos -- na primeira tinha perdido por 230.
O quarto voto no acordo de Brexit poderá ocorrer já na quarta-feira e ser uma espécie de frente a frente entre a proposta de May e a emenda mais votada -- ou melhor, a que foi rejeitada por diferença menor. Qualquer hipótese de um "soft Brexit" levaria muitos conservadores a virar as costas a May e a apoiar uma eventual moção de censura apresentada pela oposição contra a primeira-ministra.
May tem planeado uma longa reunião do "gabinete político", isto é, só na presença dos principais ministros e sem os funcionários civis a ouvir. A reunião será esta terça-feira, das 9.00 às 12.00, devendo ser a última oportunidade para os ministros dizerem que Brexit querem e em que formato.
Mas a hipótese de ir mesmo a eleições não está fora da mesa. Segundo a agência AP, o governo britânico deu autorização para gastos públicos com os planos de contingência para a realização de eleições europeias. O Reino Unido terá que participar nas eleições, a 23 de maio, caso tenha que pedir um novo adiamento do Brexit. "Posso confirmar que o governo vai reembolsar gastos razoáveis (...) em preparação para as eleições para o Parlamento Europeu", informou o na prática vice-primeiro-ministro, David Lidington, numa carta enviada à Comissão Eleitoral.
Outra opção que está em cima da mesma é uma saída sem acordo "gerida". Um subsecretário de Estado de May, Chris Heaton-Harris, do Departamento para a Saída da União Europeia, terá reunido 200 assinaturas de deputados conservadores, que assinaram uma carta a pedir precisamente esse resultado já a 12 de abril.
Mas a ideia de uma saída sem acordo "gerida", que incluísse um período de transição, já foi afastada pela Comissão Europeia, que deixou claro que sem acordo não há transição e que não são possíveis "minia-cordos" setoriais. Estes serviriam para mitigar as piores consequências de um Brexit sem acordo.
O debate decorreu como todos os outros até agora, apesar de o lado conservador ter ficado quase vazio -- o governo de May não concordou com estes votos indicativos.
A única grande diferença em relação a outros debates foi contudo o protesto de um grupo em defesa do clima, nas galerias destinadas ao público. Onze ativistas despiram-se e ficaram em cuecas, colando as mãos ao vidro que separa o espaço do local onde estão os deputados, até serem retirados pelos seguranças.
No exterior do Parlamento, os defensores de um segundo voto projetaram a sua escolha no edifício da Câmara dos Comuns. "O que quer que decidam, perguntem às pessoas", lia-se na mensagem.