Mundo
12 novembro 2020 às 23h13

Municipais no Brasil. Bolsonaro usa lives oficiais para fazer campanha por filho e aliados

Rivais dos protegidos do presidente queixam-se do uso do Palácio do Alvorada como sede de uma espécie de tempo de antena clandestino. O filho Carlos Bolsonaro, os candidatos a São Paulo e Rio alinhados ao governo e até um político da pequena Toritama vêm sendo promovidos

João Almeida Moreira, São Paulo

Senadores da oposição, o ministério público do Rio de Janeiro e dois candidatos à prefeitura de São Paulo recorreram aos tribunais de forma a impedir que Jair Bolsonaro use as suas lives semanais no Palácio do Alvorada, residência oficial do presidente da República do Brasil, para fazer campanha por candidatos seus aliados nas eleições municipais.

O comunista Orlando Silva (PCdoB) e a ex-indefectível do presidente Joice Hasselmann (PSL) queixaram-se à Justiça Eleitoral do uso da máquina pública a favor de Celso Russomanno, candidato pelo Republicanos apoiado por Bolsonaro e rival de ambos na corrida municipal à prefeitura da maior cidade do país.

"O uso da máquina pública é patente, em favor de candidatos da preferência do Presidente da República. A live é gravada no Palácio do Alvorada, certamente utilizando-se de todo o aparato técnico do Governo Federal, inclusive de funcionários públicos, com o fim de privilegiar candidaturas de seu interesse pessoal", escreveram os advogados de Orlando Silva.

O documento sustenta que a promoção de candidaturas específicas de familiares, amigos, pessoas próximas e antigos companheiros se traduzem em abuso do poder político. "Além disso, o discurso presidencial confunde o eleitor, pois este não consegue diferenciar o que se trata de apoio pessoal do cidadão Jair Bolsonaro, do que seria uma manifestação oficial do Governo Federal".

Na mesma linha, Hasselmann afirma que "o presidente da República cede bens móveis, imóvel e funcionários da administração pública federal em benefício do candidato Russomanno, o que contraria a Lei das Eleições". "Há efetiva conduta que tende a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos, como preconizado na norma", sublinham os advogados da ex-bolsonarista.

Sublinham eles que a transmissão ao vivo é realizada da biblioteca do Palácio da Alvorada, bem público de uso especial, localizado no térreo do edifício.

A procuradora regional eleitoral Silvana Batini pediu, entretanto, no Rio de Janeiro que "a eventual prática de ilícitos eleitorais seja analisada pelos promotores eleitorais atuantes no combate à propaganda irregular, conduta vedada e abuso no uso dos meios de comunicação social".

No Senado, Fabiano Contarato e Randolfe Rodrigues, ambos do partido Rede Sustentabilidade, pediram ao Tribunal de Contas da União, fiscalizador de atos do governo, que seja "proibido o uso de imóveis e funcionários públicos pela presidência da República com finalidade político-partidária".

Para os senadores há "clara violação" do artigo 73 da Lei das Eleições, que veda o uso "em benefício de candidato, partido político ou coligação, de bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios".

Num primeiro momento, Bolsonaro disse que não se envolveria no pleito municipal, porém desde há cerca de um mês, passou a manifestar apoio público a candidatos, gravando vídeos em campanhas.

Os mais apoiados são o referido Celso Russomanno e Marcelo Crivella, ambos do Republicanos, partido conotado com a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e candidatos às prefeituras de São Paulo e do Rio de Janeiro, respetivamente.

Ambos estão com dificuldade, segundo as sondagens, de chegar à segunda volta.

Outros candidatos muito referidos nas lives oficiais são, sem surpresa, Carlos Bolsonaro, também do Republicanos, o segundo filho do presidente que tenta renovar o mandato como vereador do Rio de Janeiro.

O presidente ainda fez propaganda para Wal do Açaí, mais uma vez do Republicanos, ex-assessora dele na Câmara dos Deputados, que está na corrida em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Wal é alvo de uma investigação aberta em 2018 pelo Ministério Público, na sequência de uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo em que se demonstrava que a assessora, em vez de estar em Brasília, no gabinete do então deputado federal, trabalhava na venda do fruto Açai, em Angra dos Reis.

O assunto é usado pela oposição como prova de que as "rachadinhas", uso de assessores fantasmas, não se circunscreve a Flávio Bolsonaro, o filho mais velho do presidente acusado de corrupção e de liderança de uma organização criminosa por desviar os salários públicos dos colaboradores.

Noutra transmissão no seu tempo de antena clandestino, Bolsonaro recebeu a candidata à prefeitura do Recife, Delegada Patrícia (Podemos), na última segunda-feira, abrindo espaço para ela apresentar as suas propostas.

Depois, o presidente passou a empunhar cartazes de dezenas de candidatos a prefeito e vereadores, de Russomanno, na megalópole São Paulo, a Abimael, candidato a vereador em Toritama, cidade de 45 mil habitantes, no Pernambuco.

Juristas têm se manifestado sobre a propaganda paralela de Bolsonaro quase sempre no sentido de a considerar ilegal. "Isso não deveria ocorrer e pode representar uma afronta ao princípio da impessoalidade. Afinal, a internet do governo estaria sendo usada para apoiar, do ponto de vista pessoal, determinados candidatos que são da preferência do presidente da República", disse a advogada constitucionalista Vera Chemim, mestre em direito público pela Fundação Getúlio Vargas, ao jornal Correio Braziliense.

Para o advogado constitucionalista Marcellus Ferreira Pinto, da Faculdade de Direito de Vitória, as transmissões de Bolsonaro podem representar uma vantagem indevida e um abuso de poder político. "Parece-me inadequada a conduta. Ele é quem mais deveria se abster desse tipo de envolvimento, em especial numa eleição que não interfere diretamente na condução dos negócios federais. Essa atitude fere a isonomia, que é um princípio prestigiado e resguardado em todo o arcabouço normativo eleitoral brasileiro. A lei eleitoral busca blindar e higienizar o sistema".

Na avaliação da advogada Maria Claudia Bucchianeri, ouvida pelo jornal Folha de S. Paulo, o uso em si do Palácio da Alvorada, não revela uma infração. "Mas é importante saber se não está sendo usada uma estrutura institucional da presidência na produção da live, na edição, nos equipamentos, no pagamento da intérprete de libras [a linguagem brasileira de sinais]", assinala.

O vídeo com a Delegada Patrícia, já referido, e um outro Crivella no último dia 30 de outubro, também são passíveis de contestação, segundo especialistas. O candidato à prefeitura carioca, aliás, colocou a peça de promoção nas suas redes sociais a 3 de novembro com uma cortina branca ao fundo.