Mugabe recusa sair... para já

Presidente esteve reunido com chefias militares na presença de representantes do governo da África do Sul. Líder da oposição regressou ao país e quer "eleições justas e livres".
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"Ele insiste em terminar o mandato. Creio que está a tentar ganhar tempo", disse à Reuters uma fonte altamente colocada no Zimbabué, comentando o impasse que se vive na capital, Harare, com Robert Mugabe determinado em não se demitir e os militares, oposição e sociedade civil a garantirem que aquele deixou de ter papel ativo no rumo do país.

Mas as imagens surgidas ao final da tarde de um Mugabe sorridente a apertar mãos com o responsável das forças armadas do Zimbabué, general Constantino Chiwenga, sugeriam que a situação política criada pela intervenção dos militares na noite de 14-15 permanecia fluida e de desenlace em aberto. O que não parece ter repercussões no quotidiano da capital, com a população a prosseguir as suas obrigações a ritmo normal. A única diferença era a de que, quando inquiridos por jornalistas estrangeiros, as pessoas pronunciavam-se abertamente contra Mugabe. A segunda diferença era a presença de soldados em pontos estratégicos da cidade.

As notícias sobre o futuro de Mugabe eram contraditórias, referindo-se que este procurava garantir a sua segurança e da família antes de ceder o poder, ao mesmo tempo que outras davam como iminente a formação de um novo governo, a ser dirigido pelo vice-presidente Emmerson Mnangagwa, afastado de funções no início do mês. O que esteve na origem da intervenção militar. Estes continuavam a insistir não terem feito um golpe de Estado, recorrendo à expressão "correção sem sangue" para caracterizar o movimento, que teria por objetivo neutralizar os "criminosos" em torno do presidente.

O encontro decorreu na residência oficial do presidente, para onde Mugabe se dirigiu desde a sua moradia nos arredores de Harare (conhecida pela Casa do Telhado Azul), e nele estiveram presentes a ministra da Defesa e o ministro da Segurança Interna da África do Sul, os seus homólogos do Zimbabué e o padre Fidelis Mukonori, que está a servir de mediador. Segundo as agências, os militares recusaram um encontro na casa de Mugabe. No final, permaneceram as versões contraditórias: Mugabe recusava demitir-se e aceitar qualquer compromisso, ou iria demitir-se e Mnangagwa assumir funções.

Mas a situação política parece encaminhar-se para um ponto de não retorno com 115 organizações da sociedade civil a pedirem a Mugabe a "saída voluntária do poder" e às forças armadas "um roteiro claro e facilmente adotável para restaurar a ordem constitucional". Por outro lado, verificou-se o regresso a Harare de uma figura histórica da oposição e líder do Movimento para a Mudança Democrática, Morgan Tsvangirai, a seguir tratamento na África do Sul devido a cancro. Em conferência de imprensa, Tsvangirai insistiu na necessidade de Mugabe ser afastado "no interesse de toda a população". Tsvangirai, que dirigiu um governo de unidade nacional entre 2009-2013, mostrou-se disponível para participar num novo executivo, que seria apenas de transição, e nunca chamou presidente a Mugabe, referindo-se-lhe como "senhor Robert Mugabe". Tsvangirai classificou como "inconstitucional" qualquer tentativa de os militares assumirem o poder e pediu o "regresso ao poder civil" e a realização de eleições "justas e livres, sob supervisão verdadeiramente independente e internacional".

Outras forças da oposição aplaudiram a intervenção dos militares, pedindo a estes que se respeite as eleições gerais previstas para julho/agosto de 2018.

Uma das personalidades que integrou o governo de Tsvangirai, o antigo ministro das Finanças Tendai Biti, elogiou aquele e mostrou-se pronto a colaborar num governo de transição, desde que "Morgan esteja presente".

A antiga vice-presidente Joice Mujuru, que esteve em funções entre 2004 e 2014 (quando foi afastada numa decisão de Mugabe inspirada por Grace), também se pronunciou sobre a situação, salientando que "aquilo que nos divide é menos importante do que aquilo que nos une como nação" e pediu a formação de um "governo democrático e abrangente" para gerir a transição. Mujuru é candidata presidencial por uma coligação da oposição.

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