Movimento "vira voto" ganha força na rua para derrotar Bolsonaro
Ivan está à saída do metro Jardim Ocêanico, zona oeste do Rio de Janeiro, e vem carregado. Duas mesas pequenas debaixo do braço, cadeiras e mais uns sacos que não o deixam atrapalhado. Neste sábado de manhã,véspera de eleições para a presidência do Brasil, o sol já está bem lá em cima denunciando o avançar da hora. Ivan continua a sua tarefa: mesas ao centro, quatro cadeiras ao redor e do saco saem todo o tipo de biscoitos e ainda um termo com café. Numa cidade que faz vida nas ruas, esta poderia ser apenas mais uma banca como tantas outras que ganham forma a cada esquina e fazem as delícias de quem passa com fome. Mas tudo o que aqui está exposto é 0800, expressão brasileira usada para o que é grátis. Os números, aqui, são números e adjetivos ao mesmo tempo, a criatividade ao serviço da linguagem. Depois de Ivan pôr ordem na casa, surgem uns cartazes que esclarecem o que ali se vai passar: "Ainda na dúvida sobre o seu voto? Vamos conversar".
Sento-me ao lado de Ivan, trocamos sorrisos e cumprimenta-me como bom anfitrião de uma banca recém-inaugurada. Homem de rastas compridas, corpo negro musculado, e com óculos de sol redondos a compor o seu cenário. As primeiras palavras denunciam um sotaque pouco carioca, e transportam-me para as ruas de Luanda de onde é natural. Veio há um ano para o Rio por amor a uma brasileira e hoje veio para a rua lutar pela democracia, pelo voto em Haddad (candidato pelo PT) e contra Bolsonaro (candidato pelo PSL). No fundo preparou todo este cenário por amor porque é Flávia, a mulher que o fez mudar de país, que lidera esta mesa de vira voto, e que se junta a nós poucos minutos depois.
"Há um nível de desinformação muito grande. As pessoas repetem chavões e não conseguem sequer racionar. Isto ajuda, é um processo quase terapêutico para que as pessoas possam chegar às suas próprias conclusões. É muito bacana porque elas vão acordando", diz com olhos de esperança, enquanto o café depositado na mesa não arrefece.
Esta zona da cidade tornou-se famosa nos últimos dias porque atores e atrizes se juntaram aqui num movimento espontâneo para ajudar os indecisos e os votantes de Bolsonaro a mudarem a sua posição. Flávia é diretora de produção de novelas e séries da Globo, e os famosos que aqui se juntam partilham com ela a amizade e as convicções políticas.
"Ter atores e atrizes aqui do meu lado ajuda. Primeiro, as pessoas aproximam-se para tirar uma foto e depois ficam para uma conversa. Ajuda a criar um canal de comunicação", confessa. Ainda esta sexta-feira, teve o dia ganho quando convenceu um grupo de brasileiros do Pará a mudarem o seu sentido de voto. "Quando você consegue virar um voto... Nossa, é uma alegria!".
Flávia termina a conversa e desdobra-se em esforços, abordando quem passa sem fazer distinção, até porque este é o último dia antes das eleições e o último esforço para convencer os indecisos.
Não muito longe dali, no Largo do Machado, na zona sul do Rio, muda o cenário mas repete-se o ritual. Esta praça tem a vida do comércio e vende-se de tudo o que possa imaginar. Desde roupas a churros, passando por plantas e livros. No meio da confusão carioca, há quem use cartões como cama e tente adormecer os problemas ali ao lado. Outros sentam-se em mesas de pedra e perdem-se em jogos de sueca de fim-de-semana. O que à primeira vista pode parecer indiferença de uns para com os outros é apenas a força do hábito de uma crise que teima em não passar.
No meio desta feira improvisada, Fernanda Brito escolheu um canto da calçada para montar a sua mesa com direito a bolo de chocolate e bebida. Diz-se das primeiras a participar neste movimento de "vira-voto". Percebeu desde cedo a necessidade de combater a desinformação.
"Eu faço parte de um movimento social e desde a primeira volta das eleições que estamos a tentar convencer as pessoas indecisas, ou que decidiram votar em Bolsonaro por desconhecimento do seu programa, e das suas reais ideias", começa por dizer.
A enfermeira de profissão refere que está ali para fazer as pessoas chegarem às suas próprias conclusões e para isso dispõe de um jogo que faz a vez das palavras: "Através deste joguinho, apresentamos 20 propostas de cada candidato, as pessoas escolhem e no final veem a quem pertencem as propostas que escolheram. Esta é uma forma mais objetiva de levar as pessoas a tirarem as suas próprias conclusões".
Garante que o jogo não está viciado, mas que o resultado tem sido o mais animador possível: "Das pessoas que sentam e se abrem connosco, viramos quase todos".
Entre jogos, testes improvisados e "bate-papos" de ocasião, multiplicaram-se as mesas improvisadas pelo Rio de Janeiro e por todo o Brasil na reta final das eleições presidenciais. O objetivo foi só um: reverter as sondagens que dão Jair Bolsonaro como favorito a ocupar o lugar no Palácio do Planalto em Brasília.