"Morte do meu irmão marcou o princípio do fim da ETA"

No dia que a ETA estabeleceu como "o dia do desarmamento" total, DN publica entrevista com María del Mar Blanco, irmã de Miguel Ángel Blanco, o jovem vereador do Partido Popular por Ermua que a organização terrorista basca sequestrou e assassinou há quase 20 anos.
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Presidente da Fundação das Vítimas do Terrorismo, é deputada do PP desde dezembro. Diz-se contra o reagrupamento de presos da ETA, reclama justiça e informação às vítimas e admite que não há unidade entre partidos e associações.

Sente que hoje vai finalmente ser feita justiça à morte do seu irmão?

A fotografia deste sábado é mais um passo para a derrota da ETA pelo Estado de direito. Mas devemos lembrar que a fotografia não converte a ETA em boa. Ainda não sabemos muito bem o que vai acontecer mas espero que com a informação que vão facilitar se possa fazer justiça aos ainda mais de 300 casos de terrorismo que estão por resolver. Os que mataram o meu irmão estão na prisão mas gostava de poder saber muitos mais pormenores sobre o que aconteceu com ele.

Porque acha que o desarmamento chega neste momento?

Todos os anos a ETA procura o seu momento de publicidade gratuita para lembrar que ainda existe. O passo seguinte será a sua dissolução incondicional mas eu nunca vou esperar nada de positivo porque sempre nos deram coisas muito negativas.

O que vai acontecer depois?

Como Estado de direito devemos exigir essa dissolução acompanhada de um arrependimento, de um pedido de perdão e de uma colaboração total com a justiça espanhola.

Depois do desarmamento há questões ainda por definir, como o destino dos presos...

Nós, vítimas, pedimos o cumprimento total da lei. Defendemos a política de dispersão dos presos, porque achamos que funciona no que toca ao desarmamento da organização. No debate mediático fala-se da situação e do sofrimento dos presos mas quem mais violou os direitos das pessoas foram os terroristas. Não estou preocupada com os presos e sim com o que se deve construir à volta de tudo isto, entre todos, em que se deve garantir a verdade, a memória, a dignidade e a justiça.

E os exilados?

Não são exilados, fugiram da justiça. Devem voltar e cumprir a lei.

Considera que há unidade entre as vítimas do terrorismo da ETA?

Estamos unidos pela dor, pela memória, pelo amor à liberdade e sobretudo pela defesa da justiça. Podemos ter pequenas diferenças, mas no principal estamos juntos. Domingo [amanhã] será mais um dia de trabalho para construir a convivência em paz e liberdade.

E como vai ser a convivência?

Deixar de ouvir o barulho das bombas faz que os cidadãos percam o medo. Mas, infelizmente, no País Basco ainda há lugares onde não existe liberdade. Para alguns a sua integridade física e a sua dignidade correm perigo. A ETA continua a utilizar a linguagem totalitária e do ódio. Com o desarmamento, nós, as vítimas, devemos ser ainda mais generosas e não impor nada aos terroristas. Deve exigir-se, sim, a sua dissolução.

Pensa que a atuação do governo de Mariano Rajoy tem sido a correta?

Deve manter a posição que está a seguir, firmeza total do Estado de direito e cumprimento da lei.

Considera que existe unidade política em torno da questão do terrorismo?

Considero que não. Além da esquerda independentista basca (abertzale) temos forças políticas no Parlamento espanhol, como é por exemplo o caso do Podemos, que estão a pedir a concentração dos presos da ETA num único local.

No dia 13 de julho passam 20 anos sobre a morte do seu irmão. O que resta do chamado espírito de Ermua, que surgiu logo em seguida, com protestos nas ruas de Espanha?

A derrota da ETA. Nesse dia, muitas pessoas lembraram-me que a morte do meu irmão marcou o princípio do fim da ETA. Houve uma unidade política e social nesse momento que decidiu fazer frente ao mundo da esquerda abertzale (que apoiava a ETA). Já não existe essa unidade política, é verdade, mas houve muitas mudanças legislativas e foi esse também o caminho que nos levou à derrota final da ETA.

Em Madrid

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