Morte de Marielle. Um ano depois, o que se sabe e o que falta saber
Um ano depois do crime que chocou o Rio de Janeiro, o Brasil e o mundo, a polícia já julga saber quem disparou os 13 tiros que mataram Marielle Franco, a vereadora e ativista pelos direitos humanos em ascensão na política carioca, e o seu motorista, Anderson Gomes, no centro do Rio de Janeiro. E quem dirigia o carro que encurralou a viatura onde ambos seguiam ao lado da única sobrevivente, a assessora Fernanda Chaves.
A prisão de Ronnie Lessa e de Élcio Vieira de Queiroz, no entanto, responde apenas à primeira de duas perguntas repetidas desde a trágica noite do atentado, a 14 de Março de 2018 - quem matou Marielle? Falta responder à segunda, e mais relevante: quem mandou matar Marielle?
Eis um ponto da situação das atribuladas e demoradas investigações até ao momento.
O que já se sabe no caso da execução de Marielle Franco?
Segundo os investigadores, já se sabe que Ronnie Lessa e Élcio Vieira de Queiroz, detidos desde terça-feira, seguiam no carro de onde saiu a rajada de 13 tiros que matou a vereadora e o seu motorista. A polícia chegou a acreditar na presença de uma terceira pessoa na viatura mas agora prefere descartar essa hipótese.
Quem são Ronnie Lessa e Élcio Vieira de Queiroz?
Lessa, suspeito de ter efetuado os disparos, é um polícia reformado de 48 anos. Queiroz, acusado de guiar o veículo, um ex-polícia de 46. O primeiro já fora notícia em abril do ano passado, mês e meio após o crime, ao ser atingido por tiros, no que foi classificado como tentativa de assalto. E em 2009, quando trabalhava como segurança do contraventor (leia-se magnata do jogo ilegal) Rogério de Andrade e foi alvo de um atentado à bomba no seu carro levado a cabo por operacionais de um contraventor rival. Perdeu uma perna no episódio e desde então usa uma prótese e coxeia levemente. O segundo foi expulso da polícia na sequência da Operação Guilhotina, de 2011, que investigou agentes corruptos.
Porque a polícia demorou quase um ano a descobri-los?
Por um lado, porque foi "um crime quase perfeito", de acordo com o delegado do caso Giniton Lages - os responsáveis precaveram-se ao usar telemóveis em nome de outras pessoas, ao manipularem os dados do carro e ao usarem malhas para esconder tatuagens, entre outros detalhes. Por outro, porque foi necessário ouvir 230 testemunhas, rever 760 gigabites de imagens e rastrear mais de 33 mil chamadas efetuadas na região do crime. Finalmente, porque um falso testemunho, em maio, mudou o rumo da investigação. E porque a polícia federal brasileira teve, a meio do percurso, de investigar a polícia civil do Rio por suposta tentativa de encobrir a elucidação do caso.
Quem fez o falso testemunho?
Rodrigo Ferreira, um polícia e miliciano conhecido como Ferreirinha. Ele apontou o miliciano rival, Orlando da Curicica, que está detido numa prisão de segurança máxima, como autor do crime e o deputado estadual, colega de Marielle na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Marcelo Siciliano, como autor moral. Segundo o próprio, que já admitiu o falso testemunho, a intenção era vingar-se de Curicica, que o ameaçava da prisão. A polícia investiga os motivos do envolvimento de Siciliano na trama inventada.
Como vai seguir a investigação agora e o que pretende apurar?
Além de outros detalhes, a motivação dos dois criminosos e os mandantes do crime são as prioridades dos investigadores que, depois de prenderem os operacionais na primeira fase, entram agora na chamada fase dois das operação, conforme avançou em conferência de imprensa no dia da detenção o delegado Giniton Lages.
E Giniton Lages acompanhará essa segunda fase?
Quem ouviu a referida conferência de imprensa ficou com a sensação que sim. Mas no dia seguinte, o governador Wilson Witzel, que foi fotografado na última campanha eleitoral a sorrir ao lado de quem vandalizou uma placa alusiva a Marielle, anunciou que Giniton será afastado por cansaço e que fará intercâmbio em Itália. Nos bastidores comenta-se que o afastamento se deveu ao facto de na conferência de imprensa em causa ele se ter referido a Jair Bolsonaro, presidente da República.
Mas há suspeitas de Bolsonaro neste caso?
Todos os responsáveis da investigação são perentórios a dizer que não. No entanto, o facto do presidente e de Lessa partilharem o mesmo condomínio, de um dos seus filhos ter namorado a filha do suspeito e de Queiroz ostentar nas redes sociais foto com o político vêm alimentando teses conspiratórias. Acresce que o clã Bolsonaro sempre foi próximo das milícias, os grupos paramilitares que oferecem segurança às populações à margem do estado e da lei. Do gabinete de Flávio Bolsonaro, filho de Jair e colega na assembleia do Rio de Marielle, constam os nomes da mãe e mulher de Adriano Nóbrega, miliciano foragido que lidera o Escritório do Crime, milícia cuja participação na morte de Marielle não está descartada. Ronald Pereira, vulgo Tartaruga, outro dos líderes dessa milícia, está detido desde janeiro por ligação a este e outros crimes.
Como a polícia pensa chegar à resposta sobre quem mandou matar Marielle e com quais hipóteses trabalha?
Para já, trabalha com duas hipóteses: a primeira é a de que os suspeitos agiram por contra própria movidos apenas pelo ódio à extrema-esquerda, uma hipótese que mereceu reação enérgica da família e dos amigos das vítimas e da generalidade da opinião pública; e a segunda, mais plausível, é a que os dois, conhecidos como "matadores de aluguer", agiram a mando de alguém. Para chegar a esses mandantes, a polícia, além da prisão dos acusados, efetuou 34 mandatos de busca e apreensão de computadores, documentos e armas de Lessa e Queiroz e de pessoas das relações deles. Numa dessas ações encontrou 117 metralhadoras, na casa de um amigo de Lessa, um arsenal considerado superior ao de muitos estados do Brasil.
E os dois detidos na terça-feira têm colaborado com os investigadores?
Não. Mantêm-se em silêncio e negam envolvimento, através dos seus advogados. O governador Witzel, que é juiz de profissão, disse em conferência de imprensa que o instituto da delação premiada, que prevê redução de pena em troca de informações sobre cúmplices, será apresentado a Lessa a Queiroz.
Em São Paulo