Morreu um dos maiores assassinos da Austrália, mas os seus crimes ainda assombram o país
Caroline Clarke, Joanne Walters, Simone Schmidl, Anja Habschied, Gabor Neugebauer, James Gibson e Deborah Everist - três alemães, dois britânicos e dois australianos, com idades entre os 19 e os 22 anos - ficarão para sempre recordados como sete das vítimas de um dos maiores assassinos em série que a Austrália já viu. Entre 1989 e 1992, Ivan Milat sequestrou-os e matou-os depois de lhes ter dado boleia durante uma caminhada. Segundo a BBC, o criminoso morreu este domingo, aos 74 anos, deixando as autoridades australianas com mais perguntas do que respostas.
Ivan Milat tinha um método: começava com a imagem de bom samaritano, ao oferecer boleia a caminhantes de mochila às costas, que passavam num trecho da estrada que liga Sydney a Melbourne, levava-os até à floresta nacional de Belanglo, esfaqueava-os, baleava-os, enterrava-os com as mãos atadas e fugia com um qualquer pertence deles. Alguns destes crimes terão sido cometidos aos pares, outros individualmente.
"(As vítimas) contavam com a boa vontade dos motoristas" e, por isso, eram alvos fáceis, explica o especialista em criminologia da Universidade de Sydney, Tyrone Kirchengast. Além disso, os crimes ocorreram no início da década de 90, "antes dos telemóveis" como os conhecemos hoje. "Estavam completamente isolados", acrescenta.
Passaram-se anos de acusações, das quais Ivan Milat ia saindo ilibado. Em 1971, por exemplo, duas mulheres denunciaram ter sido ameaçadas com uma arma branca e violadas por ele, mas foi absolvido. E quase escapava à condenação pelos assassinatos, não fosse uma testemunha fundamental: o britânico Paul Onions, que conseguiu escapar ao destino fatal que o criminoso tinha preparado para si.
Aconteceu em 1990. Paul Onions entrou no carro de Milat, que se predispôs a dar-lhe boleia - à semelhança do que fazia com as suas vítimas. Mas o britânico percebeu imediatamente que alguma coisa de errado se passava, quando viu uma corda e uma arma na viatura. Abriu a porta e fugiu estrada fora. Ainda foi perseguido pelo assassino em série, que o tentou parar com tiros, mas um outro motorista parou para o ajudar. Levou-o até à esquadra mais próxima, em Bowral, onde apresentou queixa. Mas tudo o que as autoridades fizeram foi dar-lhe dinheiro para ir até ao Alto Comissariado Britânico em Sydney. A queixa ficou arquivada durante anos.
Outros anos passaram sobre incidente, com Paul Onions de regresso ao Reino Unido, quando em 1996 a vítima ficou a conhecer, através dos jornais, o caso dos corpos encontrados na floresta de Belanglo. Não hesitou em lançar o nome do assassino à Polícia Federal Australiana, a quem recordou a queixa que tinha feito anos antes. E as autoridades também não hesitaram em chamá-lo até à Austrália, para ajudar na investigação que estava em curso. Tornar-se-ia na testemunha principal do julgamento contra Milat.
Os advogados de defesa ainda tentaram culpar um dos seus 14 irmãos, mas sem sucesso. Depois de Milat ter sido apontado como ponto de partida para a investigação, foi uma questão de tempo até as provas se terem tornado inquestionáveis: na sua casa, o assassino guardou pertences pessoais de todas as suas vítimas, como sacos de dormir e outro equipamento de campismo. Também as armas com que as mutilou foram encontradas na sua residência. Demonstra "o excesso de de confiança do psicopata, a crença de que podem enganar todos através da manipulação ou do charme", esclarece o criminologista Tyrone Kirchengast.
Milat acabou por ser condenado a sete penas consecutivas de prisão perpétua sem liberdade condicional. Até morrer, este domingo, vítima de cancro no esófago e no estômago, reafirmou sempre a sua inocência.
O caso gerou algum fascínio público e até inspirou filmes. O realizador da saga de filmes de terror Wolf Creek, Glen McLean, confessou ter recorrido a elementos dos assassinatos de Ivan Milat para a sua obra por nunca ter imaginado nada mais aterrorizante.
Apesar das sentenças às quais o tribunal sujeitou Ivan Milat, as autoridades acreditam que o criminoso poderia ter sido julgado por mais crimes. O ex-comissário assistente da polícia Clive Small, que liderou a investigação sobre Milat, acredita que este terá cometido pelo menos mais um assassinato. O de Peter Letcher, em 1987.
O corpo do jovem de 18 anos foi encontrado numa outra floresta do estado em 1988. "Foi baleado na cabeça e esfaqueado várias vezes nas costas", conta o comissário. E garante que as balas que encontraram na cena do crime correspondia à mesma arma que matou as sete vítimas de Milat. Contudo, o caso continua por concluir.