Morreu antigo secretário-geral da ONU Javier Pérez de Cuéllar

Tinha 100 anos.
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O antigo secretário-geral das Nações Unidas Javier Pérez de Cuéllar morreu na quarta-feira aos 100 anos de idade, anunciou o filho.

"O meu pai morreu após uma semana complicada. Morreu às 20:09 (01:09 de quinta-feira em Lisboa) e descansa em paz", disse o filho Francisco Pérez de Cuéllar à emissora peruana RPP News.

O antigo secretário-geral da ONU, que ocupou o cargo até 1991, morreu em casa devido a causas naturais, acrescentou.

Javier Pérez de Cuéllar, que foi o primeiro latino-americano a ocupar a o cargo de secretário-geral da ONU, completou 100 anos em 19 de janeiro.

O também antigo primeiro-ministro do Peru estava afastado da vida pública há vários anos devido ao delicado estado de saúde.

Perez de Cuéllar ocupou várias delegações diplomáticas do Peru em todo o mundo, antes de ser eleito secretário-geral da ONU em 1982. Em 1995 foi candidato à presidência do país

Quando Javier Pérez de Cuéllar completou 100 anos de idade, o atual secretário-geral da ONU, António Guterres, saudou o diplomata peruano com "orgulho e alegria".

Na carta, Guterres sublinhou ainda que Pérez de Cuéllar alcançou os históricos Acordos de Paz de El Salvador e que, ainda hoje, utiliza o exemplo do peruano para se inspirar e guiar no cargo que agora ocupa.

Já esta quinta-feira, através da conta da ONU no Twitter, António Guterres elogiou "o diplomata comprometido e uma inspiração pessoal que deixou um grande impacto nas Nações Unidas e no nosso mundo".

O velório decorrerá na sexta-feira na sede do Ministério das Relações Exteriores do Peru, antes do enterro com honras de chefe de Estado no cemitério Presbitero Maestro, em Lima, com a presença do Presidente do Peru, Martín Vizcarra.

Javier Pérez de Cuéllar ficou conhecido no mundo diplomático pelo estilo sereno e pela habilidade negocial que o levaram a secretário-geral da ONU e a tornar-se, aos 80 anos, o mais idoso primeiro-ministro do Peru.

Pérez de Cuéllar foi o quinto secretário-geral da ONU (e até agora o único oriundo da América Latina), em dois mandatos consecutivos (1982-1991), rejeitando os apelos que lhe foram feitos para se recandidatar a um terceiro termo e insistindo na necessidade de se encontrar consenso à volta de um sucessor (que acabaria por ser Boutros Boutros-Ghali).

De resto, a procura de consensos foi uma marca do percurso diplomático de Pérez de Cuéllar, que chegou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros do Peru em 1940, com apenas 20 anos de idade (nasceu a 20 de janeiro de 1920, em Lima).

Textos do diplomata usados em manuais de Ciência Política

Javier Felipe Ricardo Pérez de Cuéllar de la Guerra entrou para a carreira diplomática em 1944, servindo como secretário na embaixada do Peru em Paris (onde conheceu a mulher, Yvette Roberts, que morreria em Lisboa, em 2013), antes de ocupar postos no Reino Unido, Brasil, Bolívia, Suíça, União Soviética, Polónia e Venezuela.

O percurso pendular entre a Europa e a América Latina permitiram ao jovem diplomata uma experiência que chamou a atenção dos responsáveis políticos peruanos, que no início dos anos 70 o indicaram para representante do país junto do Conselho de Segurança das Nações Unidas (1973-1974).

Por essa altura, o seu prestígio já o tinha levado a lecionar na Academia Diplomática do Peru, alavancado por textos de referência que escreveu sobre direito internacional, usados nos manuais de Ciência Política em universidades de vários continentes, e que serviram de pretexto para o eleger como primeiro embaixador do Peru na União Soviética (1969).

Os muitos responsáveis governamentais junto de quem apresentou as suas credenciais salientavam o caráter tranquilo, sereno e amável, e os relatos jornalísticos das suas intervenções preferiam destacar a componente de discrição e habilidade negocial, a que ele juntava o domínio quase perfeito da língua francesa e inglesa (para além de um profundo conhecimento da literatura hispânica).

Alegando essas qualidades, o então secretário-geral da ONU (e seu antecessor no cargo), Kurt Waldheim, enviou-o a Chipre, em 1975, para procurar resolver a longa e complexa disputa entre gregos e turcos, onde conseguiu colocar as duas partes a negociar.

O reconhecimento do seu esforço e da sua carreira valeram-lhe a escolha para o cargo mais elevado das Nações Unidas, que ocupou a partir de 1982 e no qual se destacou na arbitragem de vários conflitos internacionais: a mediação entre o Reino Unido e a Argentina sobre as ilhas Malvinas (Falkland); a mediação entre Marrocos e a Frente Polisário sobre o conflito no Saara; as negociações para a independência da Namíbia; a interferência junto das forças croatas e sérvias que procuravam a independência.

Em 1994-95, Pérez de Cuéllar tentou uma candidatura presidencial contra Alberto Fujimori, contra quem perdeu, e acabaria por ser primeiro-ministro (o mais idoso da história do Peru) e ministro dos Negócios Estrangeiros do Peru (2000-2001), antes de se tornar embaixador em Paris (2001-2004).

Em 2005, sofreu um ataque de coração e estancou uma longa carreira que lhe granjeou diversos reconhecimentos como o prémio Príncipe das Astúrias.

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