Manifestações entre ruínas contra a fome na Beira

Milhares de pessoas permanecem isoladas em locais de risco. Alimentos começam a faltar na Beira. Permanecem desaparecidos 30 portugueses nesta cidade. E há risco ainda de novas chuvas fortes nas próximas horas.

"Perdi a casa, perdi a comida, estamos todos na mesma situação", lamentava-se nesta quinta-feira um residente da Beira, a cidade moçambicana mais afetada pelo ciclone Idai, presente numa manifestação espontânea contra a falta de alimentos e a lentidão da resposta oficial às cheias que, no mais recente balanço oficial, causaram 242 mortos e afetaram mais de 1,7 milhões de pessoas em todo o país.

Há ainda um número indeterminado de desaparecidos, entre os quais 30 cidadãos portugueses na região da Beira.

"Queremos comida", gritavam os manifestantes que protestavam também contra a falta de eletricidade na cidade passada uma semana após o início do mau tempo, na noite de quinta-feira, dia 14, que criou um cenário de devastação em toda a região.

Os manifestantes concentravam-se junto de um armazém que foi destruído pelo ciclone Idai (de nível quatro, o segundo mais elevado na categoria de ciclones tropicais) e cujo proprietário pretendia distribuir sacos de cereais. Este grupo de residentes da Beira, ouvidos pela Lusa, queixavam-se ainda que a ajuda alimentar que já começou a entrar na cidade "não está a chegar" às escolas onde funciona a maior parte dos centros de abrigo.

Muitas são as habitações destruídas e as águas continuam a cobrir vastas áreas não só na província de Sofala, onde se situa a Beira, mas também nas províncias da Zambézia e de Manica. Segundo dados do programa europeu de observação por satélite Copernicus foram afetados 1 276 quilómetros quadrados de território, a grande maioria em Sofala.

Testemunho do rasto da devastação deixado pelo Idai é dado pelas palavras do pastor Luís Semente: "Aqui na Beira, todas as igrejas foram destruídas pelo ciclone", disse à Reuters, acompanhado de um grupo de fiéis concentrado junto de um púlpito - o único vestígio ainda de pé do seu templo.

Mas apesar da lentidão denunciada pelos manifestantes na Beira, todos os esforços concentravam-se nesta quinta-feira na centralização da ajuda alimentar em Maputo e na sua distribuição pelas áreas mais afetadas enquanto prosseguem as operações de resgate das populações que permanecem isoladas. Em muitos casos, sem acesso a água ou alimentos desde há uma semana.

"Corrida contra o tempo"

O ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, Celso Correia, classificou a situação como uma "corrida contra o tempo" para salvar vidas. Um desafio tornado ainda mais difícil pela escassez dos meios disponíveis em Moçambique. Os média deste país referiam nesta quinta-feira que o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC, a proteção civil moçambicana) não tem meios financeiros para lidar com situações de crise nem se encontra sequer dotado de um sistema de comunicações de emergência.

Entre 60 mil a 70 mil pessoas estarão ainda refugiadas em telhados, copas de árvore ou pontos mais elevados das regiões nas três províncias mais afetadas, cercados por águas turvas e lamacentas, nalguns casos com mais de cinco metros de altura.

No total mais de 350 mil estarão ainda em situação de perigo em áreas onde as chuvas ainda não deixaram de cair, prevendo-se que só nesta sexta-feira comecem a perder intensidade, caso não se verifiquem alterações meteorológicas inesperadas.

Uma das regiões considerada ainda de alto risco é o distrito costeiro de Buzi, em Sofala, onde se prevê que os níveis da água demorem cerca de um mês até regressarem ao ponto anterior à passagem do Idai

Até ao momento, segundo o ministro Celso Correia, mais de três mil pessoas foram resgatadas.

Além de Moçambique, o ciclone Idai atingiu ainda o Zimbabwe, onde causou 139 mortos confirmados e 189 desaparecidos, e o Malawi, onde perderam vida 60 pessoas. Ainda no Zimbabwe, segundo o Programa Alimentar Mundial (PAM) da ONU, mais de 200 mil pessoas vão necessitar de ajuda alimentar imediata. Em Moçambique, este número ultrapassa as 400 mil e no Malawi ultrapassa as 900 mil.

Para o Zimbabwe, Malawi e Moçambique, o PAM estima que o mau tempo tenha afetado as condições de subsistência de 2,8 milhões de pessoas.

Solidariedade

A ajuda a Moçambique continua a chegar de todos os quadrantes.

As Nações Unidas e os parceiros da ONU apelaram a uma ajuda inicial de 40,8 milhões de dólares (35,4 milhões de euros) para a ajuda de emergência e na quarta-feira o Banco Mundial anunciara uma linha de 90 milhões de dólares, no âmbito do programa de gestão de riscos e acidentes da organização, para apoiar projetos de reconstrução em Moçambique.

A União Europeia disponibilizou 3,5 milhões de euros de ajuda humanitária, foi anunciado nesta quinta-feira. E, falando em Lisboa após um encontro com o primeiro-ministro António Costa, a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, garantiu que a UE está "totalmente mobilizada para acompanhar passo a passo e para ajudar" Moçambique a recuperara desta "tragédia terrível".

Países como a Alemanha e os Estados Unidos anunciaram igualmente o envio de verbas para Moçambique, cerca de um milhão de euros no primeiro caso e mais de 600 mil euros no segundo.

Na passada terça-feira, a Organização Meteorológica Mundial classificara já o Idai como "um dos piores desastres climáticos - relacionado com ciclones tropicais - no hemisfério sul".

Em Portugal, multiplicam-se as ações de solidariedade para com as vítimas do mau tempo em Moçambique. Além do envio de dois aviões C-130 da Força Aérea Portuguesa, com uma Força de Reação Imediata constituída por 25 fuzileiros, 10 elementos do Exército, três da Força Aérea e dois da GNR (equipa cinotécnica), as instituições privadas e da sociedade civil estão a mobilizar-se na recolha de donativos, medicamentos e produtos não perecíveis para as populações afetadas.

No plano político, o Parlamento aprovou nesta quinta-feira, por unanimidade, um voto de pesar e solidariedade apresentado pelo presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues.

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