Escreveu carta ao filho antes de morrer na câmara de gás

Vilma Grunwald deixou uma carta emotiva a Frank, que só a conseguiu ler em adulto
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Durante décadas, Frank Grunwald, uma das crianças prisioneiras em Auschwitz, não foi capaz de abrir uma carta. A missiva encerrava as últimas palavras da mãe, Vilma Grunwald, que dias antes de se ter voluntariado para morrer juntamente com um dos filhos, que era deficiente e foi condenado à câmara de gás, conseguiu escrever umas linhas para deixar ao outro filho, que acabaria por sobreviver ao campo de extermínio.

A mãe, o pai e o irmão de Frank Grunwald também eram prisioneiros no campo de concentração, para onde foram enviados em dezembro de 1943. Vilma morreu gaseada com o filho, em julho de 1944, mas antes conseguiu entregar uma carta a um guarda alemão, que surpreendentemente a entregou ao pai de Frank.

A missiva faz parte do arquivo do Museu Memorial do Holocausto dos EUA.

Frank contou à Sky News que em Auschwitz todos os prisioneiros foram colocados, em fila, à frente do médico Josef Mengele, que ficou conhecido pela alcunha "Anjo da Morte", e que usava as crianças judias como cobaias para experiências científicas. Foi Mengele quem escolheu os que iriam para as câmaras de gás e aqueles que sobreviveriam. John, o irmão de Frank, era quatro anos mais velho e deficiente. Foi um dos que o médico escolheu para morrer.

Quando a mãe de Frank descobriu que tinham escolhido o seu filho mais velho para ser gaseado ficou ao lado dele, em vez de se afastar e assim salvar a sua própria vida.

"Ela não suportava a ideia do John entrar na câmara de gás sozinho", contou Frank. E cinco dias depois de saber que iria morrer, enviou uma carta ao marido, que tinha sido transferido para um hospital porque era médico.

Frank acredita que a mãe - que sempre fora uma boa avaliadora do caráter das pessoas - escolheu o guarda certo, alguém que não tinha sofrido uma lavagem cerebral do regime nazi. Foi por isso que entre tantos prisioneiros o guarda conseguiu chegar até ao seu pai e entregar-lhe a carta.

O campo de concentração de Auschwitz foi libertado mais de um ano depois e Frank conseguiu reunir-se com o pai, que estava na Áustria. Foi nessa altura que descobriu que o pai tinha a carta.

No entanto, Frank, com apenas 12 anos, não se sentiu preparado para ler a missiva. Depois de viverem em Londres durante dois anos, pai e filho mudaram-se para os EUA.

Foi só depois da morte do pai, em 1967, que Frank Grunwald descobriu a carta. Tinha medo de ler algo que o perturbasse, pensara nisso ao longo do anos, mas nesse dia ganhou coragem e leu.

Percebeu que as dez frases que estavam no pedaço de papel situavam a mãe no exato momento em que percebeu que iria morrer, mas ao mesmo tempo foi capaz de mostrar calma e espírito positivo e transmitir todo o seu amor.

"Não há uma palavra de raiva, ódio ou ressentimento sobre os Nazis. É tudo focado no meu pai, em mim e no nosso futuro", revelou.

A carta, datada de 11 de julho de 1944, dizia: "Considerámos a possibilidade de nos escondermos, mas decidimos não o fazer, pois seria impossível".

"Os famosos camiões [que levavam os judeus para as câmaras de gás] já estão aqui e esperamos que comece. Estou completamente calma".

"Tu, meu querido, nunca te culpes pelo que está a acontecer", escreveu ainda Vilma. "Fizemos o que podíamos. O tempo vai curar, se não tudo, pelo menos parcialmente algumas destas recordações. Toma conta do nosso pequeno filho e não o estragues demasiado com muito mimo".

"Vocês os dois mantenham-se saudáveis, meus queridos. Estarei a pensar em ti e em Misa. Quero que tenhas uma vida fabulosa, nós temos de entrar nos camiões. Até à eternidade, Vilma", despedia-se a mãe de Frank.

A carta, escrita em checoslovaco - a família morava na Checoslováquia antes do Holocausto - ficou guardada num armário de casa de Frank até que este a traduziu para a sua mulher. Alguns meses depois decidiu fazer cópias e entregar a original ao museu.

O impacto que a carta teve foi algo que Frank Grunwald não esperava. No Museu Memorial do Holocausto dos EUA disseram-lhe que era um documento muito importante, porque expressava as emoções de um prisioneiro de um campo de concentração momentos antes da sua morte.

O grande medo de Frank era o de que a sua mãe fosse esquecida, o que já não irá acontecer: os últimos pensamentos de Vilma estão impregnados de bondade e esperança e estarão guardados, quem sabe, "até à eternidade".

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