"Maduro usa estratégias populistas mas não é populista quem quer"
Entrevista a Francisco Panizza, professor da London School of Economics
O professor de Política Latino-Americana da London School of Economics esteve em Lisboa para a conferência intitulada "A complexa relação entre o populismo e a democracia", parte do Seminário de Especialização América Latina Hoje que já vai na 10.ª edição e decorre no ISCTE-IUL. Ao DN, o uruguaio Francisco Panizza fala do venezuelano Nicolás Maduro, das diferenças entre populismos latino-americanos e europeus e de como Donald Trump é o mais próximo do arquétipo de populista que existe atualmente.
Pode dizer-se que o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, é um líder populista se as sondagens dizem que não tem o apoio popular?
Um populista diria que o apoio popular não se mede pelas sondagens, mas por ser capaz de representar o povo, encarnar a vontade popular. Que essa vontade popular não se define em termos de apoio de 20%, 30% ou 50%, mas por ser capaz de captar e interpretar os interesses do povo. Maduro continua claramente a usar estratégias populistas de identificação, por exemplo, atribuindo todos os males que acontecem na Venezuela a uma conspiração dos EUA, das hierarquias, reproduzindo a divisão na sociedade, dizendo que os antichavistas são os inimigos do povo... Mas não é populista quem quer, mas quem pode. Acho que Maduro está muito longe da relação de identificação que teve o povo com [Hugo] Chávez. Acho que há muito pouca gente que realmente pensa que Maduro encarna o povo venezuelano. O que não quer dizer que muita gente, não importa que percentagem, pense que o chavismo sim, representa o povo venezuelano. Há que diferenciar entre o chavismo e Maduro.
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Isso quer dizer que a solução para a atual situação na Venezuela possa estar dentro do próprio chavismo?
Há pessoas na Venezuela que pensam que isso é uma alternativa, que se poderá superar dessa forma a situação crítica que se vive no país. Que a solução passaria justamente por alguém de dentro do que foi o movimento chavista, que era muito amplo, com muitas diferenças e contradições. Que esse alguém possa dar uma saída democrática à situação atual na Venezuela ou, pelo menos, criar um certo consenso para superar esta situação.
Os populistas existem dentro dos regimes democráticos, mas neste caso não estão previstas eleições...
Existem populismos que usam as eleições como forma de legitimação, mas também houve populismos autoritários. A encarnação do povo pode não se dar necessariamente por práticas eleitorais, plebiscitárias. Em muitos casos sim, Chávez usou-a. Mas há outras formas de o fazer, de dizer que representa o povo por outros mecanismos que não têm nada que ver com as eleições. Houve populismos muito autoritários.
Há anos que se fala dos populismos na América Latina e parece que só há pouco tempo se começou a falar de populismos na Europa ou nos EUA. Qual é a diferença entre eles?
Há diferenças e pontos de contacto. No caso da Europa, há movimentos populistas de esquerda, o caso mais típico é o Podemos de Espanha, que claramente se inspiram nos populismos latino--americanos. Mas há outros populismos diferentes, como Donald Trump nos EUA. Acho que isso mostra precisamente a maleabilidade dos populismos, que se adaptam e articulam de forma muito diferente. O que têm em comum é uma crise de legitimidade nas instituições políticas ou na ordem política existente, que é aproveitada por estes líderes.
É Trump o exemplo máximo do populismo atual?
Os populistas não são populistas o tempo todo e não se levantam de manhã a dizer que vão ser populistas. Mas Trump é o mais próximo do arquétipo do populismo. Preenche muitos requisitos. E não é que seja apenas populista, é muitas coisas mais, é um plutocrata, um empresário. O interessante de Trump, e não é caso único, é que mostra que não é preciso vir de baixo para se ser um populista. Só precisas identificar-te com os de baixo, mesmo que sejas um ultramilionário como Trump. Porque acho que o que o povo vê num líder como Trump e muitos outros na América Latina é alguém como eles, que tem ali as suas raízes, o que não significa que tenha nascido pobre, mas se identifica em termos de valores, culturalmente, com eles.
Como é que se pode derrotar um populista que tem essa ligação ao povo?
Acho que há duas formas de derrotar. Uma é o caso holandês, onde Mark Rutte ganha as eleições adotando muitas das posições do populista Geert Wilders sobre a imigração. Absorves algumas dessas questões e integras, tirando um pouco o oxigénio ao populismo. A consequência é que, desta forma, também o populismo ganha. A outra forma seria mais o caso de Emmanuel Macron, em França, onde decididamente houve um combate de valores, de contraste entre o que é a política de [Marine] Le Pen e a de Macron, pró-europeia, liberal, etc. Mas uma não é uma mais exitosa do que a outra. Talvez a forma de derrotar o populismo seja levar seriamente em conta o que as pessoas estão a sentir, o que estão a pedir, mas não lhes dar necessariamente as respostas que o populismo dá, articular respostas diferentes para problemas reais. O que não se pode dizer é que as pessoas são estúpidas ou estão a ser enganadas. As pessoas estão a manifestar preocupações reais, que sentem na sua vida quotidiana, e cabe aos políticos dar diferentes respostas, umas podem ser do populismo, outras alguma espécie de mimetismo desse populismo, mas tem de haver também respostas completamente diferentes dele.