Líderes respondem a Trump: UE continuará unida

Ministro alemão dos Negócios Estrangeiros diz que declarações do presidente eleito causaram "supresa e ansiedade"

"A Europa tem de acordar. Trump está a alimentar a desintegração da UE e a tentar minar o caminho de Angela Merkel", escrevia ontem na sua página do Facebook Guy Verhofsadt, um dos candidatos a presidente do Parlamento Europeu e ex-primeiro-ministro belga.

A tensão anda no ar. Os líderes europeus não esconderam o desagrado perante as recentes declarações de Donald Trump. "A melhor resposta que a Europa pode dar é continuar unida", disse ontem o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Jean-Marc Ayrault. "Durante 60 anos os EUA foram importantes para a integração europeia, mas a partir daqui estamos por nossa conta", acrescentava ainda Verhofsadt na referida rede social.

As preocupações sobre o futuro relacionamento entre a UE e os Estados Unidos aumentaram com a entrevista que o presidente eleito concedeu ao britânico Times e ao germânico Bild . Trump voltou a aplaudir a decisão do Reino Unido de sair da UE e reincidiu nas críticas à NATO, dizendo que se trata de uma organização "com problemas", "obsoleta" e que "não tem sido capaz de lidar com o terrorismo".

Frank-Walter Steinmeier, ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, diz que as declarações do presidente eleito causaram "surpresa e ansiedade, não apenas em Bruxelas". Quando ontem falou aos jornalistas, o chefe da diplomacia germânica tinha estado num encontro com o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, que terá reagido com "preocupação". Stenmeier acrescentou que a entrevista de Trump não contribuiu para diminuir as tensões e chamou a atenção para o facto de a entrevista contradizer o que James Mattis disse na semana passada. Perante o Senado, o eleito por Trump para a pasta da Defesa mostrou-se elogioso em relação à NATO e acusou a Rússia de estar a tentar destruir a Aliança.

"Pensar que ao apoiar a fragmentação da Europa estaríamos a defender os nossos interesses seria uma coisa de loucos", afirmou Anthony Gardner, o embaixador cessante dos EUA junto da UE. Ainda assim, o diplomata revelou aos jornalistas que a equipa de transição de Trump tem vindo a perguntar a vários responsáveis da União Europeia qual será o próximo país a abandonar o bloco. "No fundo isto é sugerir que a UE está a desabar", sublinha Gardner. O próprio presidente eleito disse que manter a união "não será tão fácil como muitos pensam" e acrescentou que está convencido de que outros países seguirão as pisadas do Reino Unido.

Em declarações ao DN, Daniel Aldrich, professor de Ciência Política e diretor do programa de Segurança e Resiliência da Northeastern University, rejeita a ideia de que Trump esteja a tentar minar a unidade europeia: "Não está a tentar promover a desintegração europeia, mas sim a reforçar a sua aposta numa agenda doméstica".

Na entrevista ao Bild e ao Times, Trump, não deixando de elogiar Angela Merkel - uma "grande líder" por quem ele sente "tremendo respeito" -, defendeu a ideia de que a chanceler alemã cometeu um erro "catastrófico" ao abrir as portas a "todos aqueles ilegais" (referindo-se aos refugiados que entraram na Alemanha em 2015). Na opinião do presidente eleito a prova disso mesmo é o ataque terrorista de dezembro, num mercado de Natal em Berlim. Para Donald Trump terá sido também a chegada dos refugiados a funcionar como a "gota de água" no descontentamento dos europeus, que levou os britânicos a preferir o brexit. Merkel preferiu não comentar as declarações do presidente eleito. "Quando Trump tomar posse iremos naturalmente trabalhar com o novo governo norte-americano", limitou-se a dizer a chanceler numa conferência de imprensa, ontem em Berlim. "Os europeus são donos do seu próprio destino", sublinhou ainda a líder alemã depois de uma questão sobre o apoio de Trump ao brexit.

O único líder europeu que se mostrou contente com o conteúdo da entrevista de Donald Trump foi Boris Johnson. "São boas notícias. É bom que os EUA queiram assinar rapidamente um acordo de comércio", afirmou ontem em Bruxelas o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, que foi o principal defensor do brexit durante a campanha para o referendo de junho. Trump garantiu que irá reunir-se com Theresa May assim que entrar na Casa Branca.

Quem conduziu a entrevista para o diário britânico foi Michael Gove, ex-ministro da Justiça de David Cameron. Durante a campanha para o referendo, Gove foi um dos principais defensores da saída e depois um dos candidatos à liderança do Partido Conservador - corrida que viria a ser ganha pela atual primeira-ministra Theresa May.

Em novembro passado, a generalidade dos políticos europeus não se mostrou contente com o resultado das eleições norte-americanas, exceção feita aos líderes dos movimentos populistas de direita, como é o caso do britânico Nigel Farage, dos independentistas do Ukip, e de Marine Le Pen, da Frente Nacional.

Para a líder da extrema-direita francesa, a eleição de Trump foi "um sinal de esperança". No próximo sábado, Le Pen irá participar numa conferência em Koblenz, na Alemanha, ao lado de Frauke Petry, dos populistas da Alternativa para a Alemanha (AfD), e de Geert Wilders, do Partido para a Liberdade holandês. Nos últimos dias, a AfD informou vários meios de comunicação, como o Politico ou a Der Spiegel, de que estavam impedidos de fazer a cobertura da conferência. "No fundo, trata-se de uma trumpização da política alemã", afirmou Frank Überall, líder da principal associação de jornalistas alemã.

Escreve o The Washington Post que na semana passada Le Pen almoçou na Trump Tower, acompanhada por um homem que tem servido de ligação informal entre a equipa do presidente eleito e os líderes europeus eurocéticos.

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