Líbia entre o caos e a guerra civil cinco anos após fim de Kadhafi

Governo reconhecido internacionalmente é incapaz de restabelecer a segurança e a economia escapa ao seu controlo. Diferentes milícias e grupos islamitas dominam parte do país.
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A Líbia vive num "impasse político" e confrontada com "desenvolvimentos militares perigosos", avisava no final de setembro Martin Kobler, o enviado especial das Nações Unidas para este país do Norte de África. Cinco anos após o fim do regime ditatorial de Muammar Kadhafi, diferentes fações continuam a lutar entre si e vários grupos islamitas controlam cidades e instalações petrolíferas, estando a economia paralisada em larga medida.

O governo de unidade nacional chefiado por Fayez al-Sarraj, reconhecido pela comunidade internacional e baseado em Trípoli, continua a enfrentar a oposição de um importante chefe militar, o general Khalifa Haftar, baseado em Tobruk. É nesta cidade que se encontra também o Parlamento tido como legítimo e que não reconhece o executivo de Al-Sarraj.

Em paralelo, o Estado Islâmico (EI), ativo na Líbia desde 2014, apesar de ter sofrido importantes derrotas, continua a realizar ações terroristas. Sob forte pressão militar em Sirte, onde sucederam violentos combates em agosto e setembro, o EI tem realizado ataques em Trípoli e Bengazi e estaria a reforçar as bases que possui nas regiões do deserto.

Os combates em Sirte intensificaram-se na passada semana, tendo até agora morrido 620 elementos das milícias que combatem o EI e um número indeterminado de islamitas.

Outros grupos islamitas, como o Ansar al-Sharia - responsável pelo ataque ao consulado americano em Bengazi, de que resultou a morte do embaixador Christopher Stevens a 11 de setembro de 2012 -, estão presentes em vários centros urbanos e opõem-se igualmente ao governo de Trípoli.

Sinal evidente da situação crítica que se vive na Líbia foi dado no passado fim de semana quando um grupo armado tentou ocupar vários edifícios governamentais quando Al-Sarraj e os membros do Conselho Presidencial (que funciona como presidência coletiva) se encontravam na Tunísia.

O líder do golpe, um antigo primeiro-ministro pós-Kadhafi, Khalifa al-Ghwell, declarou que o executivo de unidade nacional perdera a "legitimidade" e se mostrara incapaz de restaurar a ordem e de governar de forma efetiva o país. De facto, o governo de Al-Sarraj não controla quaisquer forças militares na capital, dependendo de diferentes milícias para garantir a segurança dos edifícios oficiais, a troco de pagamentos regulares. Uma situação sublinhada em setembro pelo enviado da ONU, que referiu estar o governo a "gastar 93% do orçamento em subsídios e salários, incluindo a entrega de verbas aos grupos armados". Só em Trípoli, segundo um deputado do Parlamento de Tobruk, Salah Suhbi, citado pelo The Guardian, "existem 150 milícias".

No plano económico, embora a produção petrolífera esteja a recuperar, exportando agora a Líbia uma média diária de 363 mil barris, o facto de parte dos terminais e outras infraestruturas desta indústria se encontrarem sob controlo das forças do general Haftar, significa que as verbas daqui resultantes escapam ao controlo do governo de Trípoli. Estas verbas estão a ser canalizadas para o Parlamento de Tobruk.

Ainda no plano económico, a inflação está perto dos 30%, tendo apresentado o valor de 27,4% em junho, tendo no setor da alimentação sido de 34,8% - reflexo das quebras na produção e na distribuição devido à instabilidade e à insegurança. Outra consequência desta situação são os cortes de energia, que sucedem diariamente, e o aumento do número de raptos para obter resgates. O fenómeno dos raptos começou também a estender-se a estrangeiros, tendo sido feitos reféns dois italianos em setembro.

O ambiente de guerra civil tem igualmente reflexos negativos na área dos direitos humanos, tendo o enviado da ONU sublinhado que a generalidade das milícias "continuam a cometer graves violações dos direitos do homem com total impunidade".

Perante o vazio da autoridade, a Líbia tornou-se o principal país do Norte de África a partir do qual grupos de migrantes procuram alcançar o território da União Europeia. Muitas vezes, com consequências trágicas como sucedeu no início do mês, quando foram encontrados sem vida numa embarcação pneumática os corpos de nove mulheres e duas crianças. Os seus corpos tinham sido recuperados do mar pelos ocupantes do barco. Ainda no início do mês, só num dia, mais de seis mil migrantes foram recolhidos ao largo da Líbia por navios da guarda costeira italiana.

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