Levar o filho à creche é entrar na fortaleza da embaixada dos EUA

No mundo só cinco missões dos EUA têm uma creche - Riade, Moscovo, Tóquio, Frankfurt e Lisboa. Em 20 anos a Pipocas recebeu mais de 300 crianças - portuguesas e americanas.
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Em qualquer empresa, é normal fazer-se uma pausa para café, aqui muitos funcionários fazem antes "uma pausa para bebé", explica Maria João Botelho, sem perder de vista a meia dúzia de crianças que brincam no espaço da creche Pipocas. Hoje são sobretudo americanos, mas o infantário da embaixada dos Estados Unidos em Lisboa já chegou a ter mais meninos portugueses - ao todo foram 300 as crianças que por ali passaram desde que este foi criado há 20 anos. Naquela creche falam-se as duas línguas sem discriminação. "Se digo "amarelo" em português, a seguir digo "yellow" em inglês" explica a diretora da Pipocas, antes de rematar, "eles nesta idade apanham tudo com tanta facilidade!"

Ariana é o melhor exemplo desse bilinguismo. A filha da encarregada de negócios Herro Mustafa chegou a Portugal ainda antes de completar um ano. Agora tem 22 meses e "percebe tudo o que lhe dizem em português. Quando a acordo e ela está cansada, digo-lhe " vamos para a Pipocas!" E ela levanta-se logo. Quando estamos no carro a chegar à embaixada, ela começa a dizer "Pipocas!"", conta Herro. Há pouco mais de um ano em Portugal e grávida da segunda filha - "faltam duas semanas" -, a refugiada curda que chegou a número dois da embaixada não esconde que ter um infantário dentro das instalações da própria embaixada dos EUA é um alívio para quem chega a um novo país.

"Os pais portugueses têm por vezes a vantagem de poder deixar os filhos com a família. Nós não temos. Vir para um ambiente em que não conhecemos ninguém, não sabemos que instalações existem, mas saber que aqui no mesmo edifício podemos deixar o nosso filho é muito bom. Poder ir lá visita-lo", sublinha Herro, que já está a pensar como organizar a agenda para poder amamentar a filha mais nova depois de voltar ao trabalho. Só lamenta que Lisboa seja uma exceção nas missões americanas no estrangeiro. Só outras quatro - as embaixadas em Moscovo, Riade e Tóquio, bem como o consulado em Frankfurt - têm infantários dentro das suas instalações. E Herro sabe como pode ser difícil para uma criança adaptar-se a novo país, ou não tivesse chegado aos Estados Unidos em 1976, com apenas três anos, depois de os pais terem fugido da perseguição de Saddam Hussein contra os curdos no Iraque. Criada em Minot, no Dakota do Norte, em janeiro contava ao DN como o carinho com que as pessoas daquela pequena cidade a receberam foi importante para ela.

Gabinetes com biscoitos

Para chegar até à Pipocas tem de se percorrer vários corredores da embaixada, uma espécie de fortaleza, tanta é a segurança, ali perto de Sete Rios. Nos gabinetes, funcionários espreitam a azáfama pouco habitual. O que eles já não estranham é quando os meninos passam por ali, seja a caminho da piscina, no verão, ou com os pais quando estes os vão buscar ao fim do dia. Por isso muitos guardam na secretaria um frasco com biscoitos, a pensar na visita dos "vizinhos" mais novos. Para além da facilidade de ter as filhas por perto, Herro sublinha a felicidade que é saber que as crianças "são amadas pelas 200 pessoas que trabalham aqui. Todas essas pessoas estão de olho no que o nosso filho comeu, o que fez, se se portou bem ou mal" .

"Recebemos relatórios durante o dia!", brinca Todd Miyahira. O conselheiro para a imprensa, Educação e cultura da embaixada chegou a Portugal há dois meses e, com a mulher a trabalhar também na embaixada, saber desde o primeiro dia que tinha onde deixar os filhos foi um alívio. "É uma transição difícil, mas saber que temos o apoio da embaixada e da Pipocas mal acabamos de aterrar é incrível. Foi a primeira vez que nos mudámos para outro país com filhos. Vivíamos em Washington DC quando os miúdos nasceram", explica Todd. Para ele, "vir para Portugal, com crianças e tentar integrá-las numa nova cultura e uma nova sociedade não é fácil. Por isso, contar com a Pipocas é muito benéfico".

Já com os filhos criados, o embaixador George Glass chegou há pouco mais de uma semana sem esse tipo de preocupações. Mas não deixa de sentir "muito orgulho por a embaixada em Lisboa ser uma das poucas embaixadas americanas a ter um infantário à disposição dos funcionários". O empresário do Oregon, escolhido pelo presidente Donald Trump, sublinha ainda a importância da Pipocas na missão americana em Portugal, destacando o trabalho do infantário em manter "os mais pequeno num ambiente seguro e com amor". Glass, que sucedeu no cargo a Robert Sherman (o embaixador deixou Lisboa em janeiro) lembra ainda que ao saberem que não precisam de se preocupar com os filhos permite a todos os "funcionários concentrarem-se no seu trabalho e conseguir grandes feitos em prol do povo americano e português".

Dentro da Pipocas, Ariana hoje é a única menina, mas isso não parece intimidar a filha de Herro. De camisas com um padrão igual e olhos rasgados a lembrar as origens japonesas do pai, Peter, de três anos, e Timothy, de ano e meio disputam a atenção de Todd. Nascido em New Jersey, o conselheiro costumava passar as férias escolares no Havai, de onde o pai se mudara para o continente e onde ao pequeno-almoço costumava comer "portuguese sausage", a variante local da linguiça, e deliciar-se com as malassadas, uma espécie de donuts que os portugueses levaram para aquelas ilhas do Pacífico. Moussa, o filho de outra funcionária da embaixada, puxa o braço de Todd para lhe fazer uma reclamação: um coleguinha foi mau com ele. "Então, amigo?", inquire o conselheiro em inglês, "diz-me lá o que é que ele fez para eu ter uma conversa com ele". "Não me lembro", confessa Moussa. E segue para a próxima brincadeira.

Inaugurada por Hillary Clinton

Com a festa do 20.º aniversário a ser preparada para a parte da tarde, nas paredes da Pipocas não faltam fotografias, recentes e antigas. "Estes são os dois primeiros bebés da Pipocas, o Jorge Vila e a Carolina Silva", explica Maria João Botelho, que trabalha ali há 15 anos e é a terceira diretora do infantário. As histórias para contar são muitas, confessa, lembrando que "até já aconteceu pais esqueceram os filhos cá e irem para casa!", recorda a rir. "E só quando lá chegaram é que se lembraram e ligaram a dizer, "Maria João, deixei-o aí, já o vou buscar!"

Aberta das 07:45 às 17:15, a Pipocas - nascida de uma ideia da Associação de Pais dos Funcionários da Embaixada - funciona de forma independente da embaixada, recebendo crianças desde as seis semanas. Mais cedo do que é habitual nas creches portuguesas, uma vez que os americanos não têm licença de maternidade. Uma realidade que Herro lamenta, enquanto lembra que a Administração Trump está a tentar mudar isso. Uns meninos estão em full time, outros vêm só nas férias. E quando há eventos da embaixada, ao final da tarde, até fornecem serviço de baby sitting.

A filha de Paula Baptista, Inês, foi uma das primeiras alunas. "É a bebé gordinha ali ao pé da Hillary", conta a mãe, apontando para uma fotografia da então primeira-dama tirada na inauguração oficial da Pipocas e durante uma visita desta a Portugal. Funcionária na embaixada há 34 anos, Paula teve ali a filha, o filho "e até um sobrinho". Ainda hoje, o filho, como muitos antigos alunos portugueses da creche, gosta de voltar para ajudar quando há eventos, como voluntário e aproveitar para ver "os tios".

Com um cantinho para amamentar e a possibilidade de os pais almoçarem com as crianças quando quiserem, a Pipocas está habituada a receber visitas. Quanto ao nome do infantário, isso já poucos se lembram como surgiu. Mas a enfermeira Susan, cujo gabinete fica ali ao lado, acha que deve ter havido várias sugestões e esta foi a preferida. Pipoca, pop-corn, no fundo "uma coisa pequena, que cresce", diz.

Seja qual for a origem, a verdade é que a Pipocas é o local perfeito para aliviar o stress, mesmo quando não se tem filhos, ou estes já são crescidos. "Eu confesso que quando o dia me está a correr pior, venho cá fazer uma visita e passa-me logo tudo! É muito bom. Ajuda imenso. É bom para os pais e para os que não têm cá filhos", garante Paula. No fundo, "isto não é um infantário, é uma família".

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